segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Tudo pelo Poder






“Tudo pelo Poder”- “The Ides of March”, Estados Unidos 2011

Direção: George Clooney



O rosto bonito de Ryan Gosling, o ator do momento em Hollywood, recita em “close”e, estranhamente sem convicção, palavras que soam ocas, em um microfone:

“Não sou cristão, não sou ateu. Não sou judeu nem muçulmano. Minha religião é a Constituição dos Estados Unidos da América.”

Acendem-se as luzes. É um estúdio de televisão. Lemos em um cartaz que vai haver o debate das Primárias em Ohio, na campanha para a presidência do país.

“- Para onde vai Ohio, vai a nação”, diz o locutor de TV que apresenta o noticiário.

Mas Ryan Gosling não é o candidato. Ele estava fazendo o teste de som para o discurso de Mike Morris (George Clooney), o governador em exercício, que quer ser presidente dos Estados Unidos.

E, o mais irônico, é que foi Stephen Myers (Ryan Gosling), que escreveu aquele discurso que o candidato recita depois, de modo dramático, frente às câmaras. Steve, como todos o chamam, é apenas um assessor da campanha. Mas é o centro da trama de “Tudo pelo Poder”.

Ao longo de “Tudo pelo Poder” vamos ver os bastidores de uma campanha política. E, nesse sentido, o filme trata menos de política e mais de politicagem.

O elenco, composto por atores extraordinários, vai brilhar no embate de egos, traições, interesses escusos, troca de favores, maquiavelismos e “limpeza de sujeira”, pratos principais da campanha eleitoral do candidato democrata.

Baseado numa peça de teatro de Beau Willimon, o roteiro, que teve a contribuição de George Clooney que também dirige e atua, tem diálogos interessantes e inteligentes entre os homens do comitê do candidato. Phillip Seymour Hoffman e Paul Giamatti dão um “show”de atuação à parte.

Já Marisa Tomei, que faz Ida, uma jornalista investigativa e Evan Rachel Wood, a estagiária bela e bobinha, não tem maior destaque porque seus personagens são pouco trabalhados no roteiro. Conseguem uma ou duas cenas e só.

O foco principal está sempre em Steve Myers. Idealista e convicto de que o governador é o melhor candidato, vamos ver Ryan Gosling interpretar um homem que sofre uma transformação radical ao longo da história. Não é à toa que o filme começa e termina com a câmara fazendo “close”em seu rosto.

“Tudo pelo Poder”, a tradução brasileira entrega o filme. Mais sutil e pretencioso é o título em ingles, “The Ides of March”, que faz alusão a Shakespeare e sua peça “Julio Cesar”.

George Clooney, como ator, dessa vez aparece pouco e sem brilho. Parece que concentrou todas as suas forças na direção e roteiro.

“Tudo pelo Poder” consegue interessar o espectador, apesar de alguma ingenuidade e superficialidade, principalmente quando envereda para o melodrama do “grande segredo”do candidato a presidente.

Já foi indicado para o Globo de Ouro e é um filme que certamente vai ser candidato a vários Oscars. Pode ser que dessa vez Ryan Gosling ganhe o seu.








domingo, 11 de dezembro de 2011

Operação Presente





“Operação Presente” – “Arthur Christmas”, Estados Unidos, Inglaterra, 2011

Direção: Sarah Smith



Dentro de todos nós, existe uma criança que gosta do Natal. Se formos bons meninos e meninas, reza a tradição, nosso pedido em carta a Papai Noel, será atendido. No dia seguinte à ceia, para nossa grande alegria, um presente esperado estará embaixo da árvore cintilante.

Em meio a toda essa mesmice, seria difícil aparecer alguém com idéias novas. Pois aconteceu. O desenho animado “Operação Presente”, dirigido e roteirizado por Sarah Smith, faz crianças e adultos rirem, deslumbrados, com uma história nova que brinca com a existência de uma família Noel, que a cada 70 natais, substitue o Papai Noel por seu herdeiro.

Essa animação original, feita com computação gráfica, veio do estúdio inglês Aardman, que já nos fez rir e pensar com “A Fuga das Galinhas”.

Uma pergunta cabível é levantada: como é que o Papai Noel consegue entregar os presentes de todas as crianças do mundo todo em uma só noite?

Difícil, né? Com aquele velho trenó, as renas, o mundo todo com milhões e milhões de crianças esperando o seu presente...

Mas Papai Noel não é mais aquele. Agora, tem uma nave espacial que tem mais de 2 km de largura e 3 de comprimento, com capacidade para levar mais de um milhão de elfos que fazem o trabalho braçal de entregar os presentes para seus respectivos donos.

A tecnologia natalina tem sua base no Polo Norte e é orquestrada pelo filho mais velho de Noel, o Comandante Steve que, de roupa camuflada, dirige a “Operação Presente”. E aspira ao posto de Papai Noel.

Tudo estaria muito bem se... E acontece o inimaginável. Com toda essa coisa nova de computadores e nave espacial, uma criança foi esquecida. E não receberá o seu presente, deixando assim de acreditar no Papai Noel.

Ninguém está muito preocupado no Polo Norte. Afinal, uma criança em bilhões... Mas Arthur, o encarregado da sessão de cartas, o atrapalhado mas sensível filho caçula de Noel, está arrasado. Porque ninguém pode deixar de acreditar no pai dele, um homem tão bom, que não era o responsável pelo esquecimento fatal.

Ele e Vovô Noel, um impagável velhinho que não se conforma em ser deixado de lado pelas modernidades do filho, vão ressuscitar o velho trenó e as renas e, movidos a pó mágico de aurora boreal, voam para tentar resolver o problema da criança esquecida.

Além das brincadeiras e risadas, a telona mostra cenas belíssimas, muito bem boladas, tanto da nave espacial vermelha quanto do velho trenó passando pelos icebergs, pela lua cheia, gravitando em torno da Terra azul ou no mar com baleias e golfinhos nadando junto às renas com seus guizos dourados.

Por tudo isso, recomendo “Operação Presente” para aqueles que acreditam que a magia do Natal é eterna mas que deve ser sempre renovada.


O Último Dançarino de Mao



“O Último Dançarino de Mao”- “Mao’s Last Dancer”, Austrália, 2009

Direção: Bruce Beresford


Há histórias reais que, quando contadas no cinema, dão a impressão de terem sido inventadas.

Como é que um menino chinês pobre, nascido em 1961 na longínqua província de Shandong, na costa nordeste da China, vira um bailarino clássico de primeira grandeza nos palcos ocidentais?

Li Cunxin contou sua vida extraordinária no livro “Adeus China – O Último Dançarino de Mao”, que virou filme em 2009, dirigido pelo australiano Bruce Beresford, ganhador do Oscar em 1990 por “Conduzindo Miss Daisy”.

O filme começa em 1981 quando Li chega aos Estados Unidos contratado por 3 mêses para dançar em Houston, Texas. Tinha sido escolhido entre muitos na China e representava o seu país. Não era um turista.

Mas, o filme volta no tempo e vemos onde morava Li na China. Um vilarejo paupérrimo, cercado de altas montanhas. Sua família de lavradores mora em uma casinha acanhada, onde se apertam mãe, pai e seis filhos.

Nesse dia, a escola em que Li estudava aos 11 anos, é visitada por homens de Pequim que vem escolher meninas e meninos para um teste. Os escolhidos, em todo o país, por sua flexibilidade e força, seriam treinados para dançar na Companhia de Madame Mao.

Estamos em plena Revolução Cultural na China, presidida pela temida mulher do presidente Mao, cujo retrato onipresente também está na parede da escolinha de Li.

Quem já fez algumas aulas de ballet clássico sabe como é. Infindáveis exercícios na barra. Suor e lágrimas.

Agora, para alguém se tornar um primeiro bailarino, é preciso mais que determinação e repetições exaustivas de coreografias. Para alguém se tornar um solista, o ballet tem que ser a sua vida.

Li Cunxin conseguiu. E quando ele voa com graça, faz piruetas no ar e empresta emoção e talento aos personagens que ele dança com alma, sentimos que valeu a pena tantos sacrifícios.

Esse é o ponto alto do filme. O ator e dançarino Chi Cao, que interpreta Li Cunxin, foi escolhido pelo próprio. Aprendi com Luiz Zanin, do Estadão, que “os pais de Cao foram antigos professores de Cunxin na Academia de Dança de Pequim”.

Além de excelente bailarino, Cao tem carisma no palco e sai-se bem como ator.

Os trechos escolhidos para os momentos de dança são dos mais lindos da história do ballet clássico: O Lago dos Cisnes, Gisele, o “pas-de-deux” de Don Quixote, A Sagração da Primavera.

E, de quebra, assistimos a um vídeo com Mikhail Baryshnikov no auge de sua carreira, que encanta Li Cunxin e a todos nós.

Vale apontar também, como pontos fortes do filme, a reconstituição de época e a direção de arte esmerada.

O ponto fraco do filme são concessões à política americana da época da Guerra Fria, que soam megalomaníacas na realidade dos nossos dias. Pode até ser que isso esteja no livro de Li Cunxin. Paciência. Ele pode. Conquistou o direito de ser feliz na América.


sábado, 10 de dezembro de 2011

As Canções



“As Canções” – Brasil, 2011

Direção: Eduardo Coutinho



Ele é um especialista em provocar o ser humano. Mas faz isso com respeito.

Apoiado em sua enorme inteligência emocional, Eduardo Coutinho, nosso maior documentarista, consegue trazer à tona o lado teatral e genuíno das pessoas que desfilam para a sua câmara.

Já tinha sido assim em 2007 com “Jogo de Cena”, no qual atrizes como Fernanda Torres, Andreia Beltrão, Marilia Pera e outras menos conhecidas, se misturavam com mulheres anônimas, em “close”, contando suas vidas. A uma certa altura do filme, já não sabíamos mais quem era que tinha vivido o que contava e quem era a atriz que atuava no texto. Impactante.

Agora, em “As Canções”, o mago do documentário quer que as pessoas cantem para ele a música que marcou as suas vidas.

Idéia genial porque todo mundo tem uma música especial que lembra um romance platônico, uma dor de cotovelo, uma paixão não correspondida, traições, mas também dias felizes e amores para toda a vida.

O cenário é limpo. Cortinas pretas de veludo e uma cadeira.

Para esse lugar de destaque virão ao nosso encontro pessoas simples que, interrogadas com poucas perguntas pelo diretor, vão despir a própria alma à nossa frente. E, quando isso acontece, é com honestidade, coração na mão e grande emoção que eles se apresentam.

Desde Sonia, a que abre o filme, até Silvia, a última, passando por Maria de Fátima, Gilmar, Queimado, e outros, é um desfile de corações que amam, sofrem e a gente com eles, porque não há como escapar da teia que Eduardo Coutinho tece.

Ele convocou o pessoal no Rio, espalhando cartazes que diziam: “Alguma música já marcou a sua vida? Cante e conte sua história”. Das 237 pessoas que se apresentaram, 42 foram filmadas e 18 estão no documentário, com idades que variam de 22 a 82 anos.

É impressionante como brasileiro sabe cantar.

“A capella”, sem nenhum acompanhamento, ouvimos músicas de Vinicius, Roberto Carlos, Jorge Benjor, Chico Buarque, Noel Rosa e muitos outros, mais antigos, que a gente mais nova nem conhece. Não importa. É o modo como cantam a música e contam sua história que é emocionante e que nos faz engolir em seco, sentir um nó na garganta e acompanhar no choro...

É o Brasil cantando e se emocionando.

Eduardo Coutinho ganhou o prêmio de melhor documentário do júri oficial e também do público no Festival do Rio de 2011.

Claro. Ele é um mestre na arte de compreender a comédia humana.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Os Nomes do Amor




“Os Nomes do Amor”-



“Les Noms des Gens”, França 2011





Direção: Michel Leclerc



Ela é Bahia Benmahmoud (Sara Forestier, atriz excelente e bela), jovem, cabelos longos cacheados, olhos verdes e corpo perfeito, filha de francesa e imigrante argelino.

Ele é Arthur Martin (Jacques Gamblier), quarenta anos, sisudo veterinário especialista em epidemias globais. Filho de judia que sobreviveu ao campo de concentração (e que nunca tocou nessa história) e de um francês mais velho, ambos conservadores.

Bahia e Jacques parecem em nada feitos um para o outro. No entanto, a vida os coloca frente a frente. Intuitivamente se procuram. Na verdade, ambos guardam, secretamente, histórias de infâncias difíceis.

Extrovertida até demais, Bahia, que tem que responder a todo mundo que seu nome não é brasileiro, resolveu seguir, ao pé da letra, o lema do tempo de sua mãe “ex-hippie”: “Faça o amor, não faça a guerra.”

Tudo acaba na cama. Tenta converter os “fascistas” (todos aqueles que não são de esquerda como ela), seduzindo-os para suas idéias políticas, através das delícias de seu corpo de ninfa pagã.

Jacques Martin não tem saída. Curva-se aos encantos de Bahia, apesar de seu superego rígido, herdado de sua mãe judia.

Original e sensual é a cena em que, antes de transar com Bahia, veste-a da cabeça aos pés, com carinho. Faz isso com ela, que a toda hora tem que esconder o seio que escapa do decote farto e desfila nuazinha e natural pelas ruas de Paris. Vestindo-a para depois despi-la, mostra a ela o seu amor.

“Os Nomes do Amor” é uma comédia inteligente, adulta, para quem tem um mínimo de instrução política. No Brasil pode passar batida a participação de Leonel Jospin, ex-primeiro ministro e candidato a presidente na época em que foi filmada a cena.

O roteiro, premiado com o César 2011, o Oscar francês, e escrito pelo diretor Michel Leclerc e sua mulher, Bahia Kasmi, fala da ocupação da Argélia pelos francêses, da deportação dos judeus da França em 1942, da atual situação política, do racismo e da eleição que colocou Sarkozy na presidência. De forma engraçada e sem perder a ironia.

No fundo está em questão o tema da identidade, do sobrenome das pessoas, como diz o título em francês, mal traduzido, talvez para fazer crer que se trata de uma historinha romântica.

Na França de hoje, bem como em toda a Europa, misturam-se as nacionalidades e a imigração maciça é um fato.

Pois bem. Falar desse assunto sério sem perder o poder da crítica e manter o humor inteligente, é o ponto forte de “Os Nomes do Amor”.

Recomendo o filme especialmente para quem não tem falsos pudores, entende um pouco de política e gosta de gente natural e afetuosa, como a personagem Bahia, que deu o César de melhor atriz de 2011 para Sara Forestier, uma comediante como poucas. Linda e talentosa. Vale a pena vê-la, rir das situações cômicas e se deixar seduzir pelo filme, que faz a gente sair leve do cinema.


domingo, 4 de dezembro de 2011

Amanhecer - Parte Um



“Amanhecer – Parte Um“ – “Breaking Down – Part I“, EUA, 2011

Direção: Bill Condom



Não é de hoje que as mocinhas gostam de vampiros. Lembram-se dos filmes antigos? Por que será que elas deixavam as janelas abertas quando sabiam que ele rondava? Por que não usavam cruzes e alho em volta do pescoço mas, prazeirosamente, desprezavam essas armas e esperavam ávidas pela primeira mordida?

Bella (Kristen Stewart) se encantou por Edward (Robert Pattison) como faziam as mocinhas do cinema de antigamente. Vampiros são “sexy”.

Mas ela pode até querer ser “a noiva do vampiro”. Ele hesita. Não a quer vampira. Porque isso significaria que Bella tem que morrer ou porque ficaria igual a ele? Poderosa?

Os livros de Stephanie Meyer fizeram tanto sucesso quanto os filmes inspirados na saga que ela escreveu. Venderam mais de 120 milhões de cópias no mundo inteiro.

Como se explica esse fenômeno?

Claro que é porque esses livros e filmes tratam de um assunto que os adolescentes, tanto meninas quanto meninos, querem ler.

Contam a história de um amor complicado, com impecilhos, dúvidas, tanto da heroína que ora se inclina por Edward ora por Jacob, quanto do herói que foge dela e volta, com medo da atração fatal por Bella.

Isso sempre fez sucesso com todas as gerações de adolescentes que viveram na nossa cultura porque é nessa época de nossa vida que tememos e queremos amar e ser amados. Todo mundo gosta de ler e ver encenados seus temores prediletos.

Todo adolescente tem que enfrentar não só o mundo, nada romântico em nossos dias, aliás, mas também a si mesmo. Tornar-se adulto e lidar com as complicações da vida, dá medo... É difícil despedir-se da infância.

Então, Edward, que será um adolescente para sempre só na aparência, porque vampiro não envelhece, terá que lidar com sexo, quer queira quer não. Como todo adolescente macho, terá que enfrentar o seu medo de falhar, de pegar doenças e encarar o maior de todos os medos: a fêmea poderosa e rival.

Porque se, para um vampiro, a melhor penetração é na jugular da vítima, Bella é humana e quer tornar-se mulher. A voz da natureza clama dentro dela e sua sexualidade impõe uma decisão. Edward vai ter que casar-se com ela.

Se ficasse só nisso, virgens os dois...

Mas quando surge um bebê, os dois terão que encarar os medos que envolvem a gravidez e o parto, tão antigos quanto a história da humanidade, porque a morte ronda. E pode levar a mãe, o bebê ou os dois... E o pai pode não querer ou não poder ajudar a mãe... Muita coisa pode acontecer.

A história de Bella e Edward traz à tona todo esse elenco de medos conscientes somados às terríveis fantasias inconscientes que espreitam no escuro da mente dos seres humanos. E, de um jeito ou de outro, fazem os jovens olhar-se no espelho.

Não podemos esquecer que outro fenômeno de livros e filmes é a saga do bruxinho Harry Potter. Uma história leva à outra, o bruxinho prepara para os vampiros.

Há uma imediata identificação com os heróis que vencem os obstáculos e incentivam seus seguidores a fazer o mesmo.

Não é, então, só por pura diversão que esses livros e filmes fazem tanto sucesso.

Harry Potter ajuda a aguentar as mudanças que ocorrem entre a infância e a adolescência e Bella e Edward vivem na tela os nós que os adolescentes precisam também desfazer para caminhar em direção à maturidade.

Por isso “Amanhecer – Parte Um” enche tantos cinemas.

Se você é ou tem jeito de adolescente vá ver. Pode aprender alguma coisa.

Um Dia



“Um Dia”- “One Day”, Estados Unidos, Reino Unido, 2011

Direção: Lone Scherfig



Escolher um dia significativo na vida de um casal. E, através de mais de duas décadas, contar o que acontece nesse dia do ano com os dois personagens.

Essa foi a forma original escolhida pelo escritor inglês, David Nichols de 44 anos, para escrever o seu livro “Um Dia”, sucesso de venda no mundo inteiro e que ele adaptou para o cinema.

A história é a narrativa de um amor que floresce na juventude de Emma (Anne Hattaway, com sotaque britânico e adorável como sempre) e Dexter (Jim Sturgess), é contrariado e vai se modificando ao longo de vinte anos da vida deles.

A passagem do tempo é o tema que se presta a mostrar como mudam os personagens, pouco a pouco e como enfrentam as surpresas boas e más que a vida lhes traz.

Como acontece o amor?

No caso de Emma e Dexter, é ela que percebe desde o primeiro encontro dos dois, no dia 15 de julho de 1988, que muita coisa poderia acontecer entre eles. Mas os dois tem medo. São muito jovens, acabaram de se formar... Melhor ficar só amigos. Emma está decepcionada mas aceita sem luta aquilo que parece ser o mais sensato a fazer.

Para piorar as coisas, ela é tímida e insegura, ele é mimado e acha que o mundo lhe pertence. Vai cada um para o seu lado, viver a própria vida.

Ele vai para a India, para as drogas, mulheres e um programa na televisão. Ela segue para Londres e empenha-se em realizar-se como escritora.

Há reencontros e desencontros mas um está sempre na cabeça do outro. E, a cada dia 15 de julho, vamos seguindo os dois por mais de vinte anos, pelos caminhos que escolheram para viver.

“Um Dia” não é um filme leve, faz questão de esclarecer a diretora dinamarquesa Lone Scherfig, indicada no Oscar passado para três prêmios por seu filme “Educação”. Mas é um filme romântico, mesmo que a diretora não concorde com isso.

E é envolvente pelo modo como a história é contada. Principalmente para aqueles que viveram essas duas décadas mais ou menos com a mesma idade dos personagens, pela cuidadosa reconstituição de época, que alimenta nosso saudosismo.

Além disso, “Um Dia” é filmado em locações belíssimas em Edimburgo, Dinard e Paris na França e Londres. Menção especial para a casa dos pais de Dexter no campo inglês e as belas glicínias azuis que emolduram uma conversa entre ele e a mãe.

Lone Scherfig, que já fez filme pelo rígido movimento Dogma (nada de música, câmara na mão, em “Italiano para Principiantes”2000), aqui se rende ao que o cinema pode criar de emoção no espectador através de imagens, música e uma história de amor contrariado.

Para quem gosta dessa receita, vale assistir a “Um Dia” que, sem ser excepcional, destaca-se nesse fim de ano pobre de filmes maiores.

domingo, 27 de novembro de 2011

Inquietos





“Inquietos”- “Restless”, Estados Unidos, 2011

Direção: Gus Van Sant





“Perdidos... Estamos voltando para casa”, cantam os Beatles na letra de “Two of Us”. E a câmara alta mostra um garoto que desenha com giz uma linha branca ao redor do seu corpo deitado. Sabe como naqueles filmes quando a polícia tira o cadáver da cena?

Em uma cerimônia fúnebre, uma garota se vira e sorri para o garoto do corpo ”assassinado”.

A morte sem tristezas.

O que leva esses dois a tantos funerais?

Ela desenha, gosta de livros de pássaros e da biografia de Darwin. Conta a ele sobre um pássaro que pensa que morre quando o sol se põe e por isso canta uma linda melodia a cada amanhecer.

Ele faz castelos de “crackers” e conversa com o fantasma de um soldado japonês “kamikaze”.

Distrações... Porque algo perigoso assusta aqueles dois.

Quando ele apresenta a ela os pais enterrados no cemitério, compreendemos que ele é órfão, que a morte dos pais foi trágica e que ele tenta se afastar da realidade das mortes que o atingiram através de seu interesse pela morte de estranhos.

“- Quando eles morreram naquele acidente, eu fiquei três mêses em coma. Acho que morri também por alguns momentos...”, conta ele.

Um luto impossível. Abandono e raiva fria.

Ela diz que é voluntária no hospital de crianças com câncer e confessa depois que está morrendo com um tumor no cérebro.

“- Meus testes não foram muito bons. Tenho três mêses...”

“- Você pode fazer muita coisas em três mêses”, responde ele.

Annabel (Mia Wasikowska, a “Alice” de Tim Burton) e Enoch (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper (1936- 2010) a quem o filme é dedicado), vão viver uma “love story” diferente.

Com poesia, delicadeza, imagens fluidas e elegância, Gus Van Sant filmou “Inquietos”:

“ - É um filme sobre a morte, não depressivo, com muitos silêncios”, diz o diretor.

O assunto da morte encontrando alguém em plena adolescência é o umbigo desse filme, roteirizado pelo estreante Jason Lew. É um tema que foi explorado na boa literatura e que aqui ganha um tom contemporâneo, apesar dos personagens quase atemporais já que vivem num mundo sem celulares nem computadores, vestidos em roupas “vintage”.

O vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2003 por “Elefante”, o diretor de “Drugstore Cowboy” 1989, “Garotos de Programa” 1991, “Milk” 2008, o original e criativo Gus Van Sant está inspirado em “Inquietos”.

Não tenham medo desse filme. Vocês vão se encantar com Enoch e Annabel.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A Chave de Sarah





“A Chave de Sarah” – “Elle s’appelait Sarah”, França 2010

Direção: Gilles Paquet-Brener






Todos se emocionam com “A Chave de Sarah”. No final, alguns tem os olhos marejados.

E é compreensível o porquê da platéia envolver-se com o clima criado por esse filme que tem uma trama que nos agarra e surpreende.

A história, que conta um fato real vivido por personagens de ficção, estende-se por quase 70 anos. Há um vai e vem do presente para o passado, conduzido pela jornalista americana que vive na França, Julia Jarmond (a maravilhosa Kristin Scott-Thomas) que investiga a história da deportação dos judeus da França, que nos pega de surpresa.

Pouca gente conhece esse episódio, que ocorreu na França ocupada pelos nazistas, na noite de 16 e 17 de junho de 1942, em Paris.

Grudados em nossas poltronas, presenciamos as cenas de impotência, lágrimas e desespero, quando 13.000 judeus foram arrancados de suas casas e levados para o Velódromo de Paris, de onde saíram para serem levados aos campos de extermínio.

A atuação das crianças é natural e convincente. Sarah é vivida por uma atriz-menina que é um talento raro (Mélusine Mayance). Ela é a figura central, em torno à qual giram os outros personagens da história.

O diretor Gilles Paquet-Brenner, que teve um avô judeu alemão casado com uma francesa e que foi um dos 6 milhões de judeus que morreram nos campos de concentração, sempre quis contar essa parte da história de sua vida. Não conseguia encontrar o tom até que, finalmente, inspirou-se no livro de Tatiana de Rosnay, que foi “best seller”na França, para poder fazer isso sem que o filme parecesse um relato autobiográfico.

“A Chave de Sarah” centra-se em perguntas: como tudo isso pode ter acontecido? Quais as conseqüências na vida das pessoas que sobreviveram a esse horror?

O colaboracionismo velado dos franceses fica exposto. Até o presidente da França, Jacques Chirac, aparece na TV com um trecho do discurso de desculpas formais dirigido ao povo judeu.

O drama pessoal da menina Sarah e o da jornalista Julia são chaves para as perguntas acima. Apontam para a culpa e a responsabilidade de cada um por seus próprios atos e suas decorrências.

Mais. Faz pensar na passividade frente ao drama do outro. Na falta de empatia, de compaixão, no virar as costas e seguir sem fazer nada.

Pior. Faz lembrar o egoísmo, a cobiça, a inveja, a maldade mas também as boas intenções que se mostram equivocadas.

“A Chave de Sarah” é um filme que agrada por causa da trama bem urdida, das interpretações impecáveis e porque nos faz pensar na vida.

Recomendo para quem é sensível e gosta de histórias bem contadas.

domingo, 20 de novembro de 2011

O Garoto da Bicicleta



“O Garoto da Bicicleta”- “Le Gamin au Vélo”, Bélgica/ França/ Itália, 2011

Direção: Jean-Luc e Pierre Dardenne





Qual é a maior necessidade de um ser humano?

Eu diria que é sentir-se amado e, principalmente, poder amar alguém. E que isso é visceral nas crianças.

A referência amorosa cria caminhos que nos levam de volta para casa. Casa que nos acolhe e que diz quem somos.

Graças aos irmãos cineastas, os Dardenne, à sensibilidade deles e claro, podemos inferir, à biografia amorosa dos dois, temos no cinema o encantador “O Garoto da Bicicleta”, uma lição de amor.

Um menino, Cyril (Thomas Doret) e uma bela e intuitiva fada madrinha (Cécile de France) nos ensinam que, para começar, o amor precisa de dois para existir.

Se o pai de Cyril não pode ou não quer exercer essa função, o filho vai aprender que o coração, quando ajudado pela mente que estuda as experiências de vida pelas quais passamos, sempre encontra o caminho e a pessoa certa.

Mesmo que muitos erros aconteçam nesse procurar.

Afinal, como aprender sem se enganar e depois pensar sobre isso?

A bicicleta, aqui, é metáfora de liberdade, qualidade essencial que o ser que procura o amor precisa ter. Daí Cyril lutar com unhas e dentes pela sua.

Como pode encontrar o amor quem não circula?

Cécile de France, que nós vimos como a turista francesa que passa por um “tsunami” no belo filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, empresta todo o seu talento ao rosto sensível de Samantha, a moça sem ninguém que reconhece e vive com vontade o amor que aparece, de repente, em sua vida.

Ela mostra para Cyril que o amor não é passivo. Que ele vigia, conduz com firmeza.

Não sendo um sentimento fácil, exige muito dos dois que querem praticá-lo.

E como um fruto, o amor nasce verde e precisa de um ambiente favorável para amadurecer. Entre dias de sol e outros de vento e trovoadas, certamente.

Thomas Doret vive o menino abandonado no orfanato com alma. Seu rosto ensombrecido, emburrado, raivoso mesmo, vai se iluminando aos poucos, até o final do filme.

Os irmãos Dardenne ganharam o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes nesse ano. Merecido, porque acertaram em tudo em “O Garoto da Bicicleta”.

E encerram sua lição de amor com uma bela chave: a melodia límpida, grave e delicada do adágio do Concerto para piano e Orquestra No 5, “Emperor”, de Beethoven.

Tocada por Alfred Brandel, um dos maiores pianistas vivos, a música nos embala e saímos do cinema pensando na nossa infância. Emocionados.


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Late Bloomers - O Amor não tem fim



“Late Bloomers – O Amor não tem Fim”- “Late Bloomers”, França/Bélgica/Inglaterra, 2011
Direção: Julie Gavras



Os jovens não acreditam que vão envelhecer…Mas é o que acontece a todos nós, mais cedo ou mais tarde.

Esse é o assunto de “Late Bloomers”, dirigido por Julie Gavras, filha do famoso director de cinema Costa-Gavras.

Ao som de um mambo, Isabella Rossellini, sempre bela e mais gordinha, aparentemente sem cirurgias plásticas e um William Hurt, ainda bem charmoso, fazem o casal que está chegando aos 60 e começa a envelhecer, quer queiram, quer não.

Ela sofre uma crise de perda de memória e se preocupa. Ele, arquiteto famoso, cerca-se de um grupo de jovens para não pensar na idade que tem.

Mary e Adam tem três filhos adultos e eles também se preocupam quando os sinais de envelhecimento parecem trazer problemas para a estabilidade do casal, juntos há mais de 30 anos. Como lidar com pais que ficam velhos?

A bisavó, mãe de Mary (Doreen Mantle), é uma personagem deliciosa. Séria e ao mesmo tempo mais leve que a filha:

“- Quanto menos esses bisnetos me verem, melhor para eles”, diz com convicção.

“- Não tem TV? Ótimo! Assim vocês vão aprender a se entediar, o que é um excelente aprendizado para toda a vida!”, acrescenta ela às crianças espantadas e mal-humoradas.

Pois é. A vida não se resume à juventude.Há que ter inteligência emocional para se adaptar aos achaques da velhice, que atacam quase todos, depois dos 60 anos.

E não é só isso. A sexualidade e a sensualidade, motores importantes dos seres humanos, sofrem mudanças, algumas bem penosas.

Assim, Mary sofre com a ausência de olhares masculinos. Tornou-se invisível aos olhos dos homens? Não seduz mais ninguém?

Adam lança mão do casaco de couro mas percebe, a tempo, que o hábito não faz o monge.

Tempo cruel o da velhice?

Depende. “Late Bloomers” acena com um sorriso para o enfrentamento das dificuldades que surgem com a idade.

E a platéia no cinema, sobretudo os que já conhecem os problemas que desfilam na tela, ri muito e se identifica.

Os mais jovens talvez achem chato esse filme que ainda não diz nada para eles. Mas aguardem. E observem os pais, tios, avós. Porque, se não aprenderem com eles a lidar com a passagem do tempo, pode ficar difícil depois.

“Late Bloomers”, um filme despretensioso, quer ajudar a compreender o que a idade traz, com humor e delicadeza.

Aliás o titulo em inglês fala de um novo desabrochar, um florescimento tardio, que seria a maneira criativa de enfrentar essa fase da vida de que só escapa quem morre cedo.

A própria diretora esclarece:

“- Acontece que, há 30 anos, quem tinha 60 era visto como muito velho. Agora não é mais o caso. Essa é uma geração que tem coisas diferentes para inventar”, disse ela quando apresentou seu filme na 35a Mostra de Cinema de São Paulo.

E então sessentões? Mãos e corações à obra?

O Preço do Amanhã



“O Preço do Amanhã”- “In Time”, Estados Unidos, 2011

Direção: Andrew Niccol



Dizem que tempo é dinheiro. Pois em “O Preço do Amanhã”, “triller” de ficção científica, é isso mesmo. Ao pé da letra.

Nesse mundo do futuro, uma idéia original. Ninguém passa dos 25 anos. Todos aparentam essa idade. Ótimo, não é mesmo? Mas a aparência juvenil custa caro. Ou seja, a partir dos 25 anos, quem não tiver tempo comprado, ganho com o seu trabalho ou roubado de alguém, morre. Os que tem tempo de sobra, os multimilionários, podem viver séculos, para sempre, com corpinho e cara de criança. Os outros…

Nesse mundo, tão injusto quanto o nosso, o tempo/dinheiro leva à divisão de classes. Os pobres vivem nos guetos e são explorados pelos ricos, que vivem em bairros luxuosos. Existem zonas de tempo e não se pode passar por esses pedágios sem pagar caro.

Nos antebraços das pessoas vemos números verdes que brilham. É um relógio que marca o tempo que a pessoa tem. O número diminue se alguém gasta o tempo e aumenta se ganha ou rouba o tempo de alguém.

É um mundo perigoso, no qual se vive para ganhar tempo. Correr é um hábito que denuncia gente pobre que não tem tempo a perder.

Gangues à cata de incautos amedrontam as pessoas dos guetos, sempre à espreita de uma ocasião para roubar tempo.

Os “Timekeepers” são a polícia do tempo e, o chefe deles (Cillian Murphy) leva muito a sério o seu papel de controlar a “commoditie” mais preciosa de seu mundo.

Só se vive bem em “New Greenwitch”, onde as mulheres, todas jovens e belas, se vestem de preto, branco ou dourado (figurinos da oscarizada Colleen Atwood) e os homens desfilam ternos impecáveis. Todo mundo cercado de seguranças.

Após algumas peripécias, um par romântico tipo Romeu e Julieta vai se formar. Will Salas (o cantor Justin Timberlake), um operário, vai encontrar uma mocinha rica e entediada, Sylvia (Amanda Seyfried de “Mamma Mia!” e “O Preço da Traição”). Os dois incorporam um Robin Hood e Lady Marianne e até mesmo a dupla Bonnie and Clyde.

“O Preço do Amanhã” , do diretor neozelandês Andrew Niccol, tem um roteiro bem amarrado em torno à idéia principal que é a de ganhar tempo. E prende a atenção do espectador. Mas, a dupla romântica parece não ter a química ideal e os momentos que deveriam ser os mais intensos do filme, são bem mornos. À exceção da mãe de Will, interpretada com sentimento por Olivia Wilde. O abraço final dos dois fica na nossa lembrança.

Vá ver “O Preço do Amanhã” nos cinemas se tiver mais de duas horas do seu tempo. Se for precioso, pense duas vêzes e espere o DVD.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Palhaço





“O Palhaço”- Brasil, 2011

Direção: Selton Mello





Dentro de todos nós existe um lugar onde o circo tem o seu picadeiro. Lá, palhaços são os reis da brincadeira. Com eles rimos, “sem peias nem meias”.

É nessa camada ingênua, primitiva e terna do nosso íntimo que se faz a nossa interação com o novo filme escrito, dirigido e interpretado por Selton Mello, “O Palhaço”, premiado no Festival de Paulínia com a melhor direção.

Estamos em um circo pobrinho, mambembe. Uma trupe de saltimbancos. A lona é rasgada, a acomodação pouca, as roupas gastas. Não importa, porque o brilho estará nos olhos de quem vê o artista nesse espaço mágico.

Claro que Selton Mello inspira-se na linguagem universal usada por gênios do cinema como Fellini e Chaplin. Mas aqui, o palhaço está vestido de verde e amarelo e o circo enfeitado pela paisagem de homens e mulheres simples com crianças nos braços, uma platéia unida, sem mau humor, sob a lona do Circo Esperança.

“Puro Sangue” (Paulo José) e "Pangaré" (Selton Mello), pai e filho palhaços, abrem o espetáculo. E desfilam a gorda com roupas de menina, a dançarina de vermelho, odalisca e espanhola atraindo olhares, os músicos, os equilibristas e a menina bonita que causa admiração pela lourice.

Há um congraçamento, um sentido de família no circo, que Selton Mello incorporou com perfeição no seu roteiro. Gerações de atores se misturam, contracenando nesse filme que quer ser feliz.

Já começa pela dupla de pai e filho palhaços. Paulo José tem uma longa e vitoriosa história de palcos e telas e o Parkinson não o desencorajou. Continua a ser o ator que carrega a emoção nos olhos brilhantes.

Há uma comunicação comovente entre os dois palhaços que supera a barreira da fantasia e faz pensar na continuidade da profissão de ator. Aliás, na vocação necessária ao exercício pleno dessa arte.

E vamos reencontrar figuras da TV que não vemos há muito tempo. Estão lá Moacir Franco numa ponta magistralmente aproveitada como o delegado Justo e premiada no Festival de Paulínia, o “Zé Bonitinho”, Jorge Loredo e o simpático Ferrugem. Larissa Manoela faz, com graça, o contraponto da nova geração.

“O Palhaço” é um filme delicado, intimista, que não serve gargalhadas, nem piadas chulas.

Nesse filme encantador, você vai sorrir e lembrar da sua infância.

domingo, 30 de outubro de 2011

Contágio





“Contágio”- “Contagion”, Estados Unidos, 2011

Direção: Steven Soderbergh





Ouvem-se tosses na tela escura... Aparece o rosto quase irreconhecível de Gwyneth Paltrow, pálida e suando...

Um número na tela: 2º dia.

Corte para a barca que atravessa a baía de Hong Kong. Um rapaz com o rosto brilhante de suor, aparentando febre alta, sai trôpego pelas ruas da cidade.

Londres. Dentro de um Rolls Royce, uma garota rica e “chic” fala ao telefone. Seu rosto pálido lembra o de Gwyneth Paltrow. Na próxima cena ela está caída no mármore do banheiro de um apartamento luxuoso. Criados correm para acudi-la.

Tóquio. Um homem perde o equilíbrio e cai num ônibus. As pessoas ao lado, assustadas, ficam paralisadas.

A câmara volta ao rapaz de Hong Kong. Ele passa pelo mercado ao ar livre. Toca nos peixes que caem no chão quando ele tropeça nas bancas dos feirantes. Todos o olham alarmados e o rapaz, aparentemente sem controle de seus movimentos, é atropelado por um ônibus.

Em Atlanta, Estados Unidos, Matt Damon, que é casado com Beth (Gwyneth Paltrow), vai buscar o filho no colégio porque ele está com os mesmos sintomas que a mãe de volta da China: febre, suor frio, fraqueza.

Quando ele chega em casa, tem que levar correndo Beth para o hospital porque ela começa a ter convulsões.

Assim, secamente, em tom documental, sem música tonitruante nem apelos sentimentais, é o novo filme de Steven Soderbergh, o famoso diretor de uma das mais fascinantes e assustadoras produções do cinema, “Traffic”, de 2000, sobre o narcotráfico. Esse filme ajudou a ver o tamanho da encrenca que estávamos enfrentando quase que ingênuamente naquele momento.

Ora, em “Contágio” o inimigo é ainda mais ameaçador, porque invisível e insidioso. Aqui não sabemos nem de onde vem o vírus, nem como se passa a doença de um ser humano para outro. Só sabemos que é mortal. A paranóia ataca a todos.

Um blogueiro (Jude Law) que passa a entrevistar os cientistas e a fazer contato com lobistas, não ajuda em nada e mostra como alguém assim pode só atrapalhar.

Quando o número de mortos avança pelo mundo a fora, os únicos que podem ajudar a humanidade são os cientistas dos grandes centros de pesquisa. Em Atlanta, o Centro de Controle e Prevenção e Doenças, em Genève, a Organização Mundial de Saúde e outros médicos abnegados, vão ser os heróis dessa saga contra o vírus desconhecido.

Ajudados pelos governantes dos países enlutados e apavorados, esses homens e mulheres (Marion Cotillard, Kate Winslet, Elliot Gould, Laurence Fishborne) vão fazer tudo o que podem para ganhar a batalha que ameaça exterminar grande parte da população do planeta, mais perigosa ainda do que a gripe espanhola no começo do século XX.

Mas não é uma luta fácil e a batalha é longa e dura.

O pior é que é possível que se torne realidade... Enquanto o ser humano não se conscientizar do respeito com que deve tratar a natureza, tudo pode acontecer...

Vamos ver “Contágio” e aprender com essa lição?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A Pele que Habito



“A Pele que Habito”- “La Piel que Habito”, Espanha 2011

Direção: Pedro Almodóvar







Ele é um diretor de cinema que virou adjetivo. Sua maneira original de ir do drama lacrimoso ao riso desenfreado, do bom gosto ao “kitsch” com cores sempre “néon”, marca uma estética pessoal que agrada ao público.

Almodóvar, muito imitado, nunca será igualado. Seus fãs sabem disso e esperam seus filmes com ansiedade e prazeres antecipados.

Pois bem, aí está “A Pele que Habito”, seu décimo oitavo filme que não ganhou a Palma de Ouro em Cannes mas que deu o que falar. Há os que amaram e os que detestaram. Mas nem mesmo esses últimos ousaram perder o novo Almodóvar.

“A Pele que Habito” começa em um futuro próximo em Toledo, numa paisagem bucólica e numa casa com nome romântico, “El Cigarral”.

Mas logo o estranho se faz presente. Um corpo vestido em uma malha justa, uma segunda pele (desenhada por Jean Paul Gaulthier), faz yoga. Vê-se um cartaz de uma exposição de Louise Bourgeois, a famosa artista plástica francesa.

Mãos enluvadas manipulam gazes. Rostos são esculpidos.

Sabemos agora que é uma mulher (Elena Anaya) que pede à governanta da casa Marilia (Marisa Paredes) mais bandagens, agulhas e tesouras. Ela faz arte?

Em um armário, vestidos mostram recortes inusitados. Ela experimenta um deles sobre a malha.

Um carro esporte branco traz para a casa outro ocupante. É Antonio Banderas vestido de jaleco branco, o dr Robert Legard, que, também ficamos sabendo, conduz experiências pouco ortodoxas em seu laboratório, em busca de uma pele resistente a queimaduras e doenças.

Misterioso e intrigante, o tema do filme vai aos poucos ficando mais claro para quem vê os “flashbacks”que explicam a relação entre o médico e a estranha mulher de malha.

“A Pele que Habito” trata de tudo que sempre fascinou Almodóvar, filme após filme. Estão lá a mãe poderosa, os filhos sem pai, desejos proibidos, forte sexualidade e identidades dúbias.

Inspirado no livro “Tarântula” do francês Thierry Jonquet (1954-2009), Pedro Almodóvar faz de seu ator preferido um personagem de Mary Shelley (“O Médico e o Monstro”), em um filme com elementos de terror, dominação sádica, submissão masoquista e vingança.

Inspirado por outro mago do cinema, Fritz Lang, Almodóvar fez de “A Pele que Habito” um filme “noir” mas não em preto e branco. Não seria coisa dele.

O amor pelo Brasil transparece na música, a canção “Pelo amor de amar” de 1961, composta por Jean Manzon para um filme de Albert Camus. E um dos filhos de Marisa Paredes fala espanhol com sotaque baiano.

Na conclusão, fica a certeza de que o importante não é a pele mas o ser que habita a pele.

Para entender isso, corram para ver o novo Almodóvar.

sábado, 15 de outubro de 2011

O Dia em que Eu Não Nasci



“O Dia em que Eu Não Nasci”- “Das Lied in Mir”, Alemanha/Argentina, 2010

Direção: Florian Micoud Cossen





Destino? Acaso? Motivações inconscientes?

O caso de Maria (Jessica Schwarz) é intrigante.

A nadadora alemã, de trinta anos, chega a Buenos Aires a caminho do Chile, onde vai participar de uma competição e é informada que deverá esperar pelo vôo de conexão para Santiago.

Sentada no saguão do aeroporto, de chofre, sente-se estranhamente emocionada ao escutar a canção de ninar que a mãe ao lado canta para o seu bebê.

Ora, Maria é alemã, não fala espanhol e, no entanto, é como se conhecesse aquelas palavras... Cantarola junto quase que mecânicamente, repete o que ouviu sem entender mas sentindo uma emoção real que a leva ao choro.

Corre ao banheiro, lava o rosto, olha-se no espelho. Aquilo mexeu com ela. Como explicar?

O tempo parece que pára. Ela fica mais tempo do que queria na frente daquele espelho.

Quando sai do banheiro, seu vôo partiu. Perdeu a conexão. O único avião para Santiago naquele dia.

Não lhe resta outra opção, senão esperar na Argentina. Terá que pernoitar em Buenos Aires.

E, a partir daí, Maria vai perder o passaporte, terá sua vida posta de cabeça para baixo e conhecerá segredos sobre ela mesma que a assustam e seduzem ao mesmo tempo.

Buenos Aires, a cidade que ela vê através de um vidro destorcido no inicio do filme, vai se mostrar a ela de uma maneira nítida e inesperada.

Estrangeira mas também acolhedora e próxima, a cidade a atrai. E ela não sabe o porquê desse sentimento desconhecido que brota em seu coração.

Ao longo do filme vamos ver Maria refazer a própria identidade, descobrir que não é quem ela pensou que foi e se deparar com o preço de procurar saber a verdade a qualquer custo.

A questão levantada pelo filme é candente e não tem uma resposta imediata e fácil.

Seguimos Maria de perto e vemos como ela se debate entre uma tomada de posição radical e outra que leva em conta a fragilidade e a carência de pessoas que foram egoístas mas pensaram estar fazendo o bem.

O diretor estreante Florian Micoud Cossen, alemão nascido em Israel, é também co-autor do roteiro que lida com questões que tocam de perto a todos os que foram vítimas de atrocidades cometidas por governos carrascos. E levanta perguntas que não são respondidas de forma unânime.

Revanchismo ajuda a confortar a quem foi alvo de crimes sem perdão? O passado pode ser resgatado por quem perdeu o cenário de onde foi retirado à própria revelia?

E mais. Devemos procurar esquecer ou lembrar? Perdoar ou punir?

Não apenas a cruel ditadura militar argentina está sendo objeto de tais perguntas. Porque o diretor leva-nos a expandir as indagações e a nos perguntarmos mais.

Belo filme que nos coloca a todos para pensar sobre tantas questões difíceis mas vitais.