domingo, 31 de julho de 2011

Vejo Você no Próximo Verão




“Vejo Você no Próximo Verão”- “Jack Goes Boating”, Estados Unidos, 2011

Direção : Philip Seymour Hoffman





A primeira imagem do filme mostra Jack (Philip Seymour Hoffman), um sujeito gordo, ainda jovem, deitado em sua cama, de pijama, pensando. Seu rosto mostra que ele imagina algo agradável, braços cruzados atrás da cabeça.

No dia seguinte, vamos ver o que Jack faz na vida. É chofer de limusine, empregado do tio.

Seu rosto tem uma expressão plácida, bovina, usa gorro na cabeça grande e fones de ouvido, quando não está escutando “reggae” bem alto no rádio do carro.

Imediatamente, o personagem nos comove. Sentimos nele uma necessidade de se defender do mundo, cabeça e ouvidos bem tapados.

“-Você pensou a respeito?“, pergunta o amigo Clyde (John Ortiz).

O oposto de Jack, Clyde é seu melhor e único amigo, latino, falador, extrovertido. Trabalham juntos e, parece que o que Jack tem na cabeça, é um convite de Clyde e sua mulher Lucy (Daphne Rubin-Vega). Querem que conheça Connie (Amy Ryan), solteira também como ele e que trabalha com Lucy numa empresa de serviços funerários.

Enquanto os dois amigos conversam no estacionamento da empresa de limusines, o perfil distante de New York conta que esses personagens não são glamurosos como os que vivem em Manhattan. Estão à margem. Suas histórias comuns vão ser contadas. Mas de um modo delicado e empático.

O roteiro de Robert Glaudini, que é o autor da peça que inspirou o filme, e a direção de Philip Seymour Hoffman, que estréia auspiciosamente nessa função, nos mostram aos poucos, episódios das vidas dessas quatro pessoas, nada atraentes a um primeiro olhar, mas que, ao longo do filme, vão ensinar algo sobre o amor.

Sim. “Vejo Você no Próximo Verão” é uma história de amor. Ou amores. Porque vamos presenciar um relacionamento que perde o rumo e outro que desabrocha.

Os latinos, casados há algum tempo, enveredam por um caminho de jogos sadomasoquistas que leva a um rancor cada vez maior entre eles. Os dois acreditam que casamento é assim mesmo, não tem outro jeito.

Mas, estranhamente, projetam felicidade para o amigo Jack e Connie, revelando que, no começo, o amor deles pode ter sido uma coisa boa.

Jack, com todas as suas defesas engatilhadas para se defender do mundo, fala muito pouco mas observa atentamente as pessoas à sua volta.

Uma cliente diz a frase que o leva a dar o primeiro passo na busca de aumentar sua auto-estima, para que possa estar à altura do encontro com o amor, que ele tanto teme quanto almeja: “Dress to win!” Ou seja, a aparência precisa melhorar para que se consiga o que se quer.

E lá vai Jack à procura de gravata e camisa para o jantar com Connie na casa dos latinos. E assim se sente com mais coragem.

Aprender a nadar e cozinhar, vão ser outros passos que Jack vai dar para mudar sua atitude e revelar para o mundo potencialidades que ele vai desenvolver. Seu alvo é agradar à Connie.

Por sua vez, ela que tanto fala de sexo, parece temer a aproximação dos homens, que estariam sempre atrás dela com más intenções. Prestem atenção na sequência do metrô. Connie vai ser flagrada em uma cena sem palavras que diz tudo: aquilo que se teme com horror, é quase sempre o desejo mais forte e reprimido...

As fantasias sexuais são perigosas quando atuadas cegamente, por impulso, mas podem ser prazeirosas com o parceiro certo.

“Vejo Você no Próximo Verão”, sem ser um grande filme, tem seu charme e é uma oportunidade para ótimos atores se mostrarem em cena.

Philip Seymour Hoffman, que ganhou o Oscar de melhor ator pelo seu extraordinário “Capote” (2005), parece que pode ampliar seu leque de funções no cinema como diretor, conquistando assim, novos territórios para o seu enorme talento.


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Contra o Tempo



“Contra o Tempo”- “Source Code”, Estados Unidos, França, 2011

Direção: Duncan Jones



Um cartão postal da cidade de Chicago se mostra aos nossos olhos. Altos prédios espelhados refletem-se em águas azuis. Um helicóptero sobrevoa o cenário perfeito.

A cena muda e seguimos um trem brilhante que se desloca rápido na paisagem bucólica.

É nesse trem que o Capitão Colter Stevens (Jake Gyllenhaal) acorda para um pesadelo.

A jovem à sua frente (Michelle Monaghan), toda íntima, acha que ele é o professor de história chamado Sean. O espelho do banheiro para onde ele corre, enjoado, o assusta ainda mais. Não é ele o homem que o olha espantado lá de dentro da superfície prateada.

De repente, uma explosão envolve tudo em chamas.

E o Capitão Stevens acorda, desnorteado, com a voz de uma mulher que o chama:

“- Você está bem. Está no Castelo Sitiado. Tente focar.”

“- Eu estava no meu helicóptero numa missão no Afeganistão, depois no trem e agora aqui...” responde perdido.

Ele está em uma espécie de cápsula espacial. Em uma telinha à sua frente é observado por aquela mulher que diz ser a Capitã Goodwin (Vera Farmiga).

Há muito não se via um filme como “Contra o Tempo”.

É ficção científica e também um suspense com ação que, contrariando o esperado nesse gênero de filme, articula inteligência e intriga, em uma história bem contada, usando as novas formulações instigantes da física quântica sobre a existência de universos paralelos. Efeitos especiais não são o centro das atenções.

Vamos ver o Capitão da Força Aérea Americana submeter-se à sua revelia, a um programa “top secret” do exército, chamado “Source Code”ou seja, “Código Fonte”, que é explicado assim, pelo inventor do projeto, dr Rutledge, ao próprio Capitão Stevens:

“- Não é uma viagem no tempo. É um acesso a uma realidade paralela.”

Trata-se de interferir no futuro. E isso graças a uma memória de 8 minutos que permaneceria viva no cérebro de um homem morto. Uma espécie de pós-imagem que permitiria que, conectado a outro cérebro, houvesse acesso ao acontecido no passado para que se pudesse coletar informações para interferir no curso futuro desses acontecimentos.

E o que se espera do Capitão Stevens? Que ele volte aos 8 minutos finais da vida do professor Sean Fentress, que morreu na explosão do trem e que descubra quem é o terrorista.

Sua missão principal é evitar que esse mesmo homem que explodiu o trem e matou todas aquelas pessoas, tenha êxito em explodir uma bomba radioativa em Chicago, causando 2 milhões de mortes.

Por seis vezes veremos o Capitão Stevens ir e voltar do trem à capsula, tentando cada vez mais adaptar-se à situação para bem desempenhar a sua missão.

Mas o interessante é que vamos percebendo que, nessa realidade paralela que ele visita no trem, ele sente que não é mais só o Capitão Stevens. Há como que “um novo eu”, misto de capitão e professor, que sabe liderar e cumprir uma missão e que se descobre apaixonado por Christina, a jovem à sua frente no trem, envolvida com o professor Sean.

O roteiro é escrito por Ben Ripley, que estréia com êxito nessa função.

O diretor, filho do cantor e ator David Bowie e que dirigiu o elogiado “Moon”- “Lunar” de 2009, sabe levar a história de forma a provocar uma identificação do espectador com o Capitão Stevens, criando uma empatia que é essencial para que a gente se prenda ao enredo, sem piscar, para não perder nenhuma pista.

No final, os grandes e expressivos olhos azuis de Vera Farmiga emprestam à Capitã Goodwin o lampejo de compaixão que a leva a libertar o Capitão Stevens de um destino terrível, para que ele tavez possa viver uma realidade nova.

“Contra o Tempo” é uma bela oportunidade de ver um ótimo filme e poder pensar sobre essa proposta de ousar mais para tentar realizar nossos desejos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Lola






“Lola”- “Lola”, França/ Filipinas, 2009

Direção: Brillante Mendoza





“Lola” é um filme na contramão. Raro.

Realizado pelo diretor filipino de 49 anos, Brillante Mendoza, em 10 dias, filmado com câmaras digitais na ilha de Luzon, a mais populosa das Filipinas, “Lola” se afasta, em tudo, dos filmes “main stream”, aqueles que são distribuídos pelo mundo todo.

Tanto é assim, que Mendoza teve que ser premiado como melhor diretor em Cannes em 2009, para conseguir realizar “Lola”, um projeto que parecia impossível de ser filmado, apesar do diretor admirar o roteiro de Linda Casimiro:

“- Para muitos, um roteiro envolvendo duas velhinhas não parecia atraente comercialmente”, comentou o diretor em São Luis, Maranhão, na abertura do I Festival Internacional Lume de Cinema.

É seu primeiro filme que vemos no Brasil.

Quando apresentou “Lola” em pré-estréia no CineSesc em São Paulo, disse Brillante Mendoza:

“- Esse é um filme muito próximo do meu coração. É um tributo não só às avós das Filipinas mas a todas as pessoas idosas do mundo inteiro.”

Em “taglog”, idioma das Filipinas, “Lola”quer dizer “Avó”.

Vamos assistir a um filme que valoriza duas personagens magrinhas, cabelos brancos, roupas simples mas que se mostram pessoas valentes e determinadas na hora de defender a família.

Ninguém nos conta o nome delas mas vamos, pouco a pouco, conhecendo sua fibra ao tentar de tudo para conseguirem seus objetivos.

As duas se encontram em uma situação difícil: parece que o neto de uma delas assassinou o outro por causa de um celular. E foi preso.

Enquanto uma delas enfrenta as chuvas e os ventos para acender uma vela no lugar do assassinato, encontrar o corpo e tentar comprar um caixão para o neto morto, a outra visita e alimenta o neto na prisão e vai à luta para conseguir dinheiro para sua fiança, tendo que vencer a mesma chuva e vento implacáveis.

A água é quase um personagem no filme. Além de fustigar a todos, em meio à pobreza local, ela inunda as ruas onde mora a avó que perdeu o neto.

Barcos toscos a remo são o meio de transporte, as casas são construídas sobre palafitas. Parece que, desde sempre, as águas invadem aquele bairro, esquecido pelas autoridades locais.

Ninguém reclama mas tudo é injusto nesse cenário inundado.

O que não impede que a avó Serpa (Anita Linda), durante o velório do neto, anime toda a família com uma descoberta. Ela vislumbra peixes nadando no porão da casinha inundada.

É grande a alegria com a oferta do alimento grátis, entre pessoas que mal tem como se sustentar. Mas que, mesmo na penúria, vão ter sua procissão de barcos levando ao cemitério o menino morto em seu caixão branco. Tudo graças à avó.

Já do lado da avó Puning (Rustica Carpio), muitos são os estratagemas para conseguir o dinheiro que, ao invés de pagar a fiança, poderá ser oferecido como forma de reparação à família do morto, libertando assim seu neto.

Nas Filipinas, a justiça, tal como as águas das chuvas de verão, segue um curso estranho para nós, mas conhecido e aceito pela população. Ninguém discute se é certo ou errado alguém pagar com dinheiro por um crime e sair livre.

“Lola” tem cara de documentário. Esquecemos que as avós são atrizes tarimbadas e nos envolvemos na história com o coração apertado.

A cena bem humorada que reune as duas avós para a transação final, parece que apresenta duas amigas que falam sobre seus achaques devido à idade e trocam receitas de como lidar com esses males. Uma lição importante. Porque é a aceitação da passagem do tempo sem dramas e, bem ao contrário, aqui transparecendo a vontade de assumir um papel de sabedoria e força justamente por causa da idade. São matriarcas respeitadas.

Assim deveria ser cá como lá.

Se você consegue assistir a um filme fora dos parâmetros geralmente aceitos, vai se emocionar com “Lola”. E aprender algo com as duas velhinhas.

Afinal, na melhor das hipóteses, todos seremos como elas um dia.

domingo, 10 de julho de 2011

Gainsbourg - O Homem que Amava as mulheres





“Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres”- “Gainsbourg, Vie Éroique”, França, 2010

Direção : Joann Sfar





Há uma sedução imediata do espectador frente às primeiras imagens do filme.

Duas crianças estão sentadas na areia da praia frente ao mar:

“- Posso segurar a sua mão? “pergunta o menino.

“- Não! Você é muito feio”, responde a menina de vestido vermelho que sai correndo.

Começa então uma virada magistral.

Um desenho animado mostra, numa profusão de movimento e cores, num traço delicado, Serge Gainsbourg mergulhando no mar onde, tanto ele quanto os peixes, fumam. Escorregando em imensas águas-vivas, ele cai sobre os tetos de Paris e voa sob a chuva.

A troca de registro do real para a vida onírica de fantasia encanta nossos olhos, ao mesmo tempo que indica de que maneira o diretor Joann Sfar vai desenvolver seu filme.

Um dos maiores nomes da história em quadrinhos na França, o jovem Joann Sfar, ele também judeu e admirador confesso de Gainsbourg, escreveu a história desse famoso e controverso personagem da cena do “showbusiness” em quadrinhos.

E fez a transposição dessa “bande dessinée”, como dizem os franceses, para a tela do cinema, nesse seu primeiro filme, que intitulou “Gainsbourg, Vie Éroique”. Para o novo cineasta, ele é, portanto, um herói e suas aventuras vão ser contadas de forma peculiar, misturando realidade e sonho, com personagens vividos por atores reais e outros criados por animação.

Sfar desenha um companheiro imaginário para Gainsbourg, que é uma caricatura dele e que o acompanha pelo filme, muito alto, enorme nariz, orelhas e mãos descomunais e o mesmo humor, por vezes perverso.

Vamos ver como o menino mirradinho e com orelhas de abano, Lucien Ginsburg, filho de judeus russos imigrantes, se transforma no polêmico e badalado Serge Gainsbourg, compositor e cantor francês que fez fama e manchetes de jornais, levando uma vida nada ortodoxa, cercado de belas mulheres, muito álcool, drogas e cigarros Gitaine. Morreu jovem, aos 62 anos, de ataque cardíaco, deixando mais de 200 canções que foram e são cantadas por intérpretes famosos como Yves Montand, Juliette Gréco, Vanessa Paradis.

A história começa em 1940, na França ocupada pelos nazistas. Bandeiras com as suásticas nas ruas de Paris, cartazes anti-semitas colados nos muros.

Os judeus são obrigados a colocar uma estrela amarela costurada à roupa.

O menino Lucien chega bem cedo ao lugar onde serão distribuídas as estrelas:

“- Esse menino quer a sua estrela antes de todos”, exclama o policial encarregado com ar de troça.

“- Essa estrela é sua, senhor. É o senhor que quer que eu use isso”, retruca Lucien.

“- Você é insolente”, rosna o homem.

“- Sou judeu. Lucien Ginsburg. Estudo na Academia de Belas Artes e conheço um oficial da SS. Quer que eu o apresente a você? Pode ser bom para a sua carreira.”

Além de insolente, Lucien era talentoso. Pintava, tocava piano e violão.

E foi aos 30 anos, dedilhando canções em um cabaré enfumaçado que conheceu Boris Vian, trompetista nas horas vagas e amigo dos músicos que tocavam na noite. Foi ele quem abriu as portas da boemia da Rive Gauche parisiense para Serge.

Foi nessa época que ele encantou a musa existencialista, Juliette Gréco (a bela Anna Mouglalis, “égerie” de Chanel) que cantou suas canções.

Mas a popularidade veio nos anos 60 quando France Gall, quase menina, de saia curta e meias ¾, interpreta na TV uma canção dele, “Les Sucettes”, chupando um pirulito. Malícia e duplo sentido. Sucesso imediato.

Brigitte Bardot teve um caso com Gainsbourg e a atriz Laeticia Casta, que foi ensaiada para o filme pela própria BB, encarna o maior símbolo sexual da França, com graça e beleza.

A cena onde ela, enrolada num lençol, canta “Comic Strip” com o ator Eric Elmosino, que faz um Gainsbourg mediúnico, é um dos pontos altos do filme.

Serge Gainsbourg casou-se com a inglesa Jane Birkin (Lucy Gordon que se matou trágicamente depois do filme, aos 29 anos). Foi com ela que ele gravou seu maior sucesso, a canção “sexy” que lotava as pistas das discotecas nos anos 70, “Je t’aime, moi non plus”. Sussuros e gemidos explícitos valeram a proibição da canção em alguns países.

Desse casamento, que durou 10 anos, nasceu Charlotte Gainsbourg, hoje uma das melhores atrizes do cinema.

O filme de Joann Sfar conta tudo isso em belas imagens e simpatia por Serge Gainsbourg.

“Não são as verdades dele que me interessam. São as mentiras”, escreve o diretor na tela, antes dos créditos finais.

Belo filme, grande homenagem a Serge Gainsbourg, um homem talentoso que viveu intensamente, como queria.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Corações Perdidos





“Corações Perdidos” – “Welcome to the Rileys”, Reino Unido / Estados Unidos, 2010

Direção : Jake Scott





A imagem de um carro em chamas nos pega de surpresa. No silêncio, ouve-se o crepitar do fogo. Acidente? Morte?

Mas não há tempo para nos fixarmos nessa perplexidade porque um rosto na penumbra captura nossa atenção.

Acende um cigarro.

Compreendemos que ele é Doug Riley (James Gandolfini) e está jogando pôquer com amigos.

Que ele é tristonho e bonachão, é fácil de ver. Que é terno e carente, também.

A simpática e apagada garçonete negra de meia-idade, do restaurante onde sempre joga com os amigos, é sua amante.

Os vemos na cama, calmos, sem clima de arrebatamento, conversando. Ele a convida para ir com ele a uma convenção em New Orleans:

“- Mas nem mala eu tenho...” diz ela.

“- Eu compro pra você. Pense nisso”, responde ele.

“- Vou pensar. Mas agora é tarde. Volte para a sua casa.”

Ele vai e quando o carro entra na garagem, vemos uma tabuleta que diz: ”Welcome to the Rileys”. É o titulo original do filme. Sóbrio e bem mais expressivo sobre o contraste de emoções que vamos sentir durante o filme do que a tradução infeliz, “Corações Perdidos”, que remete a um folhetim barato.

A casa de subúrbio, espaçosa e fria, esconde um segredo que a nova cabelereira, que vem pentear a dona da casa a domicílio, descobre sem querer, abrindo a porta errada: um quarto de menina.

“- Quantos anos tem sua filha?”

E é assim que somos apresentados a Lois Riley (Melissa Leo), mulher de Doug Riley, que jamais sai de casa. Ali não há calor nem acolhimento. Daí a ironia do titulo original do filme.

O luto pela filha de 16 anos (e aí nos lembramos com horror do carro em chamas), aprisiona a mãe em sua casa-tumba.

Paralisada, ela vive trancada, condenada à morte em vida por culpas abissais.

Sabemos como o luto é uma etapa difícil na vida de qualquer mãe. Já escrevi sobre isso quando comentei os filmes “Ricky” (2009) de François Ozon e “Reencontrando a Felicidade” (2010) de John Cameron Mitchell com Nicole Kidman.

A mãe enlutada visita regiões infernais em busca do porque dessa perda irreparável. Contra a natureza, já que os mais velhos deveriam morrer primeiro em nossas mentes racionais, quando acontece, fere profundamente.

Lois Riley lembra a personagem de Nicole Kidman, porque ela também foge de tudo e todos. Defende-se da dor, fazendo de sua casa um refúgio seguro. Mas a morte ronda.

Por isso entendemos Doug e seu jeito desanimado. Ele também sofre com a perda da filha e com a reação desesperada da mulher mas não desistiu de viver.

E quando a garçonete morre de um enfarte súbito, Doug vai descobrir algo no cemitério que o libertará.

Vai visitar o túmulo da filha e fica horrorizado com o que vê. No túmulo dos Riley, seu nome e o de sua mulher já estão gravados, com as respectivas datas de nascimento, esperando só as da morte para dar boas-vindas a todos eles. Um macabro “Bem-vindos aos Riley”, como diz o titulo original do filme.

“- A lápide que você comprou para nós é espantosa! Nós estamos vivos. Não precisamos de túmulos! Eu estou vivo. Não acredito que você fez isso, Lois...” diz ele, perturbado, à mulher.

Nessa noite, ao invés de fumar na garagem, ele solta o pranto sufocado e soluça livremente.

E é aí que entra Allison (Kristen Stewart), garota de 16 anos, “pole dancer”, que se prostitui em um bar decadente de New Orleans. Exatamente o lugar por onde perambula um triste Doug, saído da convenção.

O encontro entre eles vai mudar a vida dos Riley.

“Corações Perdidos”é um filme feito com ternura. É o segundo longa de Jake Scott, filho do diretor inglês Ridley Scott que é responsável por dois filmes “cult”do cinema do século XX : “Blade Runner”(1982) e “Thema e Louise” ( 1991).

Aqui ele é o produtor do filme do filho.

O elenco, escolhido com apuro, dá um show.

Melissa Leo, que depois desse filme ganhou o Oscar de atriz coadjuvante por “O Vencedor” em 2010, faz uma Lois de carne e sangue. James Gandolfini, famoso pela série “Familia Soprano”, emociona e convence como o doce Doug.

E Kristen Stewart, a Bella de “Crepúsculo”, enfrenta um papel muito diferente com um talento que promete.

Filmado durante o outono de 2008 em New Orleans, que havia sido duramente castigada pelo furacão Katrina, “Corações Perdidos” traz à tela uma boa história sobre a possibilidade de reconstrução da vida depois de uma tragédia.

Bela metáfora.

domingo, 3 de julho de 2011

A Missão do Gerente de Recursos Humanos




“A Missão do Gerente de Recursos Humanos”- “Le Voyage du Directeur des Resources”, Israel / Alemanha/ França, 2010

Direção : Eran Riklis



Quem viu “Lemon Tree” (2008) e se emocionou com o drama da viúva palestina que protegia o pomar de limoeiros dos seguranças de seu novo vizinho, o Ministro da Defesa do Estado de Israel, que queriam destrui-lo em nome da proteção ao chefe, vai ter curiosidade sobre o novo filme do cineasta israelense Eran Riklis, que levou cinco prêmios da Academia Israelense de Cinema, “A Missão do Gerente de Recursos Humanos”.

No titulo original, a “missão” da tradução brasileira é, na verdade, “a viagem”. Mas, vamos por partes.

Nascido em Israel, Eran Riklis, 56 anos, é um diretor de cinema sensível a temas que colocam em dúvida certezas íntimas. Estudou cinema na Inglaterra e faz filmes desde 1984. Apareceu com sucesso nos Festivais de Veneza e Berlim em 1991 com “Cup Final” e “Zohar” (1993) foi muito prestigiado pelo público em Israel. No Brasil passou também o seu “Noiva Siria” (2004).

O novo fime começa em 2002 em Jerusalém, a “Capital da Eternidade”, “A Cidade de David”, Yerushalaim. Uma bela vista com o Muro das Lamentações ao fundo, aparece no filme.

A história, adaptada do romance “A Mulher de Jerusalém” de Abraham Yehoshua, centra-se no gerente de recursos humanos de uma grande panificadora industrial da cidade.

O problema dele (Mark Ivanir, ótimo ator ucraniano) é que uma ex-funcionária, imigrante romena, Yulia Petracke (que só aparece em um filminho no celular de seu filho), morre em um atentado à bomba com outras 16 pessoas. Seu corpo está há dias no necrotério da cidade.

Um jornalista (Guri Alfi) descobre o acontecido e passa a fazer reportagens acusatórias sobre a panificadora e seu gerente. Clama por justiça para a funcionária, que não tinha sido demitida regularmente.

Para defender a empresa de pães, cabe ao mal-humorado gerente, cuja vida pessoal não caminhava bem, fazer uma viagem ao interior da Romenia, levando o corpo para o funeral.

Contada dessa maneira linear, a história perde o que tem de melhor: detalhes, olhares, cuidados, descobertas.

Ou seja, aquilo que se passa nos bastidores dos personagens é que é o mais importante e conduz a narrativa.

Assistimos à lenta transformação do que seria um trabalho meramente burocrático para o gerente, em uma viagem na qual ele vai ser tocado em seu território mais intimo.

É esse o material com que melhor trabalha o diretor Eran Riklis: a alma humana e sua possibilidade de surpreender, de superar fronteiras geográficas, culturais e religiosas.

Ele é um humanista e trata sempre disso em seus filmes.

Aliás, Eran Riklis é mestre em dizer, com cenas mudas, tudo o que passamos a saber sobre seus personagens. Em “Lemon Tree” a troca de olhares empáticos entre a palestina e a mulher do Ministro da Defesa de Israel dizia mais do que mil discursos sobre os conflitos entre esses povos vizinhos. Aqui, em “A Missão do Gerente de Recursos Humanos”, prestem atenção na neve que tomba sobre o gerente na cidadezinha em que Yulia nasceu, quase como que falando por ela, pedindo a ele um “milagre”.

É um filme que faz rir com situações tragi-cômicas enquanto convida a pensar sobre os limites auto-impostos à nossa possibilidade de sermos melhores do que somos.