sexta-feira, 20 de abril de 2012

Diário de um Jornalista Bêbado

“Diário de um Jornalista Bêbado”- “Rum Diary”, Estados Unidos, 2010
Direção: Bruce Robinson


Nuvens na tela. Um teco-teco vermelho voa sobre um mar azul ao som de Domenico Modugno cantando “Volare”.
Alguém sai da cama trôpego, caminha em direção da janela e abre a cortina. O sol entra e o aviãozinho passa. Johnny Depp, com cara de ressaca, lê a faixa “Bem-vindos Union Carbide”.
Imaginamos em que estado Paul Kemp, o jornalista, chegou ao hotel, porque o frigobar está arrancado da parede e jaz emborcado no chão do quarto de hotel.
Entra o garçom e, vendo o estrago, diz:
“- Sr, o que aconteceu? ”
“- Tentei abrir ontem à noite...ia reclamar com a direção do hotel...”, gagueja Kemp.
“- Mas a chave está em cima do móvel, Sr...”
Estamos em San Juan, Porto Rico em 1960.
“O Diário de um Jornalista Bêbado” foi adaptado do livro que o verdadeiro jornalista escreveu e que foi publicado em 1998. O filme é dedicado a ele. Hunter S. Thompson (1937-2005) fez um jornalismo que chamou “gonzo”, inovador, uma narrativa literária de fatos acontecidos.
Johnny Depp, que já tinha feito o alter-ego de Thompson em “Delirios” (1998), foi seu amigo e o filme saiu de tanto que ele insistiu. Está ótimo no papel, fazendo à perfeição um jornalista idealista, em principio de carreira, uns 30 anos e bebendo todo o rum que pode, misturado com todo o resto que lhe oferecem.
O dilema de Paul Kemp é trabalhar num jornal quase falido, escrevendo o que o editor (Richard Jenkins) manda ou aceitar as negociatas que um empresário sem escrúpulos oferece a ele.
Ao mesmo tempo, Kemp está abalado com o que vê acontecendo na ilha. Americanos explorando os locais. A frase de um deles ilustra bem a situação:
“- Porto Rico é fruto do genocídio e da escravidão.”
Por outro lado, o bonitão Sanderson (Aaron Eckhart) , o empresário que quer envolver Kemp em um projeto ilegal, namora Chenault (Amber Heard), uma loira estonteante, olhos turquesa e pele bronzeada. Outra encrenca para o jornalista.
A dupla formada por Depp e Amber Heard tem química e ficamos torcendo pelo casal que encena um romance tórrido.
Há também uma parceria entre Kemp e outro jornalista, Sala (o excelente Michael Rispoli), a quem devemos as melhores cenas de bebedeira com drogas e um passeio hilário num carrinho caindo aos pedaços com Depp no colo de Rispoli.
Sem ser um filme homogêneo, “Diário de um Jornalista Bêbado”, diverte, além de mostrar um lugar de natureza deslumbrante, infelizmente estragado por um turismo predatório e especulação imobiliária inescrupulosa.
Se você não se interessa por nada disso, pense que Johnny Depp, o mar azul, praias, palmeiras e a loira Amber Head valem o preço do ingresso.

terça-feira, 17 de abril de 2012

12 Horas



“12 Horas”- “Gone”, Estados Unidos 2012

Direção: Heitor Dahlia



Tudo começou naquela floresta de verdes e sombras por onde anda agora uma garota. Logo vamos ficar sabendo sobre isso.

Mas o que ela procura? Por que toca apreensiva o musgo que cresce no chão e nas pedras?

Ela segue pela margem de cascalhos de um pequeno rio até uma área abandonada de piquenique. Senta-se, abre um mapa e sinaliza uma região da Parker Forest.

A música instrumental (trilha sonora de David Buckley) preenche a sala de cinema e ouve-se como que um resfolegar baixo e sombrio. Ela olha assustada para os lados. Alguém segue aquela mocinha?

A câmara sobe e vemos que ela dirige seu carro por uma estrada ladeada por uma floresta de pinheiros. O dia finda. Já está começando a noite.

Escuro, sombrio e perigoso. Esse clima que se sente nas imagens da tela está na mente da moça ou é a realidade?

A bela Amanda Seyfried faz Jill, longos cabelos louros e olhos azuis assustados.

Descobrimos que ela foi sequestrada há menos de dois anos por um homem perigoso. E conseguiu escapar por pouco. Mas Jill acredita que ele continua agindo e que outras garotas não terão a mesma sorte.

A policia está descrente. Afinal Jill já foi internada num sanatório, toma remédios e nunca, nenhuma evidência foi encontrada sobre a história que ela conta sobre o sequestrador e o buraco na floresta.

Mas quando sua irmã desaparece (o “Gone” do titulo original), Jill vai viver doze horas perseguindo o “serial killer” que ela crê que levou Molly (Emily Wickersham) por vingança, porque ela sobreviveu ao sequestro. Só ela acha que vai conseguir encontrá-lo.

Cenas em “flash- back” mostram Jill sendo amordaçada, no fundo do buraco... Delírio ou realidade? Esse é o gancho do roteiro que poderia ter sido melhor explorado.

O cineasta Heitor Dhalia é brasileiro e dono de dois filmes que agradaram à crítica, “O Cheiro de Ralo” com Selton Melo e “À Deriva”, uma tocante história sobre a adolescência, na qual atua o francês Vincent Cassel.

Mas parece, pelas entrevistas que deu aqui no Brasil, que Dhalia não ficou satisfeito com sua estréia em Hollywood com o filme “12 Horas”. Reclamou que o produtor não o deixou um minuto a sós com a atriz e que o filme é um produto do estúdio, que fez um suspense comercial.

“- Não consigo imaginar uma situação mais hostil de trabalho. Mas tudo que não mata, fortalece. Serviu para eu perder a inocência. “

Torcemos por ele, que, afinal, conseguiu dirigir Amanda Seyfried com talento. A atriz consegue passar o clima de suspense nos “closes” em seu rosto expressivo. E há belas tomadas noturnas, com luzes manchando a tela nas cenas de chuva.

Heitor Dhalia ainda vai fazer muita gente ir ao cinema para admirar seu trabalho.

Em “12 Horas” temos um filme que chega a prender a nossa atenção, com um final meio abrupto. Mas diverte. O que não é pouca coisa.


domingo, 15 de abril de 2012

O Principe do Deserto



“O Principe do Deserto”- “Black Gold”, França /Itália / Tunisia, 2011

Direção: Jean-Jacques Annaud



O deserto, com todas as suas cores e sua beleza natural, é o prato principal do último filme do francês Jean- Jacques Annaud de “A Guerra do Fogo” (1981) e “O Nome da Rosa” (1986).

Filmado na Tunisia e no Catar e baseado na história do escritor Hans Ruech, “South of Heart”, “O Principe do Deserto” foi produzido por Tarak Bem Ammar que guardou os direitos do livro por mais de trinta anos. Ele sempre acreditou na força dessa história.

Mas o filme, que é um épico do começo do século XX, só foi realizado graças ao apoio da princesa do Catar, Mayassa Bint Hamad Al- Thani, que criou a Doha Films, inaugurando no Catar uma indústria cinematográfica.

Quando o filme começa, estamos na península arábica, dividida entre tribos inimigas.

Seus principais líderes, o emir Nesib (Antonio Banderas) e o sultão Ammar (Mark Strong), decidem solucionar o conflito que envolve a disputa do território conhecido como Faixa Amarela, à moda antiga. O sultão Ammar entrega seus dois filhos ao emir, como garantia de que não irão brigar pela posse daquelas terras.

Os rapazes são Saleeh ( Akin Gazi), guerreiro que gosta de caçar com o seu falcão e Auda (Tahar Rahim, que fez o filme elogiadíssimo, “O Profeta”) e que vive na biblioteca do palácio e troca olhares apaixonados com a princesa Leyla (Freida Pinto), filha do emir, bela morena com olhos aveludados.

“- Ser árabe é ser um garçom no banquete do mundo...” queixa-se o emir Nesib, ambicionando o que ele considera ser o verdadeiro modo de se viver, o ocidental, com luxos e tecnologias que o Oriente Médio desconhece.

Quando chegam os americanos do Texas ao seu reino, dizendo que a Faixa Amarela contém petróleo, da melhor qualidade que há no mundo, Nesib não hesita em entregar o “ouro negro” a eles, em troca de dinheiro para comprar tanques de guerra blindados e um arsenal de armas, além dos luxos que cobiçava. Ele sabe que vai ter que confrontar-se com o sultão Ammar com quem assinou o tratado que respeitava aquele território, que agora se mostra muito valioso.

Astuciosamente mata o primogênito do sultão, que vivia sob sua proteção e casa o filho menor, Auda, com sua filha Leyla.

Com esse casamento, Nesib pretende que não haja guerra entre as tribos, já que formam agora uma só família.

Mas a guerra é inevitável e é o melhor momento para o diretor Jean-Jacques Annaud mostrar o que faz tão bem. Cenas aéreas, milhares de figurantes, camelos, cavalos, guerreiros em belas roupas azuis e vermelhas do exército do príncipe Auda, combatem os tanques do emir Nesib. O sol implacável do deserto é um personagem terrível a ser enfrentado por homens e animais.

É a tradição, com seus costumes milenares, contra o que se chama de progresso no mundo ocidental. E muitos dos que habitam essa região, se negam a adotar tal modo de vida.

O filme é bonito e bem cuidado. Mas não chega a ser imperdível para quem gosta de conhecer as tramas políticas, das quais ficamos sabendo bem pouco. Tudo é visto de relance, sem que o filme se aprofunde em nada...

“O Principe do Deserto” é um filme para quem gosta de distrair-se com belas paisagens e não se importa muito com o que aconteceu depois. Esses vão descansar com prazer os olhos nas dunas do deserto e nos horizontes azuis.



As Neves do Kilimanjaro



“As Neves do Kilimanjaro”- “Les Neiges du Kilimandjaro”- França, 2011

Direção: Robert Guédiguian



Muitos anos separam as histórias de “Les Pauvres Gens” ou “Os Pobres”, conforme a tradução do poema de Victor Hugo (1802-1885), do filme “As Neves do Kilimanjaro”. Mas algo no poema, mexeu com o diretor de cinema francês, Robert Guédiguian e ficou em sua memória. Um dia, ele resolveu criar um roteiro que trouxesse para um filme seu, um final semelhante ao imaginado pelo grande escritor francês do século XIX. E conseguiu.

Guédiguian e Victor Hugo tem muito em comum. “Les Misérables” ou “Os Miseráveis”, o grande romance francês, tem um tema que é explorado também pelo cineasta com ideias políticas de esquerda, em “As Neves do Kilimanjaro”, mas que são compartilhadas com os humanistas em geral, já que são valores que não podem desaparecer de nossa cultura.

O personagem principal de “Os Miseráveis”, Jean Valjean, um homem bom mas que ficou muito tempo na prisão, é perdoado por um roubo praticado em nome de uma necessidade premente e isso o coloca no rumo certo de sua vida.

“As Neves do Kilimanjaro” é um filme simples, direto e aparentemente comum. Mas há algo novo aqui. O filme discute com sobriedade a ética pessoal. Os valores que guiam a conduta de cada pessoa e que podem mudar ao longo da vida.

Na história, em Marselha, o sindicato dos pescadores faz um trato com os patrões e resolve sortear os empregados que serão demitidos por causa da crise financeira.

Michel (Jean-Pierre Darroussin, excelente), o diretor do sindicato que poderia ter retirado seu nome da lista, mas não o faz, é sorteado e demitido. Como ele está perto de se aposentar, será difícil encontrar um novo emprego.

A sorte dele é que sua mulher Marie-Claire (a ótima Ariane Ascaride) trabalha e não vai faltar nada para essa família, com filhos crescidos e que tem vida própria.

O casal comemora as bodas de prata e todos do sindicato comemoram com um grande bolo de “profitérolles” e uma surpresa: passagem e dinheiro para gastar em uma viagem à Tanzânia, sonho do casal, que adorava a música de Pascal Daneli que canta, numa balada romântica, as neves do monte Kilimanjaro.

Mas um roubo faz soçobrar esse sonho...

E vamos ver as diferentes reações das pessoas que são prejudicadas. Alguns reagem com raiva e querem justiça rigorosa, outros vão se abrir à compaixão, exercer a solidariedade amorosa e desfrutar da gratidão.

É certamente um filme que faz pensar e nos aproxima de uma esperança: a descoberta do amor ao próximo.



quarta-feira, 11 de abril de 2012

Xingu



“Xingu”- Brasil, 2011

Direção:Cao Hamburger



Andar por terras em que ninguém andou... Esse era o sonho de três irmãos, nos anos 40, que vai mudar o destino de muita gente que vive ainda no coração do Brasil.

Eles são os descendentes dos donos da terra que Cabral descobriu para os portugueses mas nunca tinham sido respeitados. Eram milhões, morreram muitos no contato com os brancos mas, agora, graças aos Villas Bôas, os índios tem um território só deles, o Parque do Xingu.

“Eles nunca tiveram fronteiras mas agora, fronteira era a melhor coisa que eles poderiam ter”, escreve Orlando Villas Bôas no livro que conta a história dos irmãos, “A Marcha para o Oeste”.

O filme “Xingu”, inspirado nesse livro, mostra com beleza e emoção, o que foi a vida dos três irmãos que, um dia, resolveram ir atrás de uma aventura, a primeira expedição que levaria homens brancos ao Roncador- Xingu. Era 1943 e Getulio Vargas estava à frente do governo.

Claudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), juntaram-se a peões e garimpeiros analfabetos e seguiram de avião de hélice rumo à floresta para fazer contato com os índios.

E, após o primeiro encontro, vencidos o medo e a estranheza, Orlando escreve:

“Para mim eles não era selvagens. Eu, simplesmente estava diante de outra civilização. O encontro mudou as nossas vidas para sempre.”

Cao Hamburger ( “O Ano em que Meus Pais Sairam de Férias” 2006) dirigiu “Xingu”acompanhando os irmãos defensores dos índios, fazendo com que os brasileiros que nunca tinham ouvido falar deles ou muito vagamente, fizessem essa descoberta.

Fazer contato era a missão deles. Com suas canoas a remo, cruzavam os rios de Mato Grosso, à procura de povos indígenas que nunca tinham visto um homem branco.

Mas os impecilhos, as decepções, a falta de apoio do governo, as lutas com os homens que cobiçavam as terras dos índios e pagavam para vê-los exterminados e as brigas entre os irmãos por causa das condições de vida que estavam longe da aventura sonhada inicialmente, são o recheio do filme.

Estamos num pedaço virgem do Brasil e o que restou dos povos da mata, amparados pelos Villas Bôas, iniciou em 1961 (ano em que terras da reserva são doadas por decreto do presidente Janio Quadros), um trabalho que irá culminar com a solidificação do Parque Nacional do Xingu, hoje uma realidade.

Cao Hamburguer, o diretor do filme diz:

“- Queria muito ter o ponto de vista dos índios nessa história, por isso fiz questão que participassem da pesquisa, contribuíssem no roteiro e trabalhassem como atores.”

Cao Hamburguer conseguiu com isso que o filme tivesse uma autenticidade necessária para dar peso à epopéia que é contada. E também chamar a atenção para a causa defendida.

Depois de “Xingu”, além da admiração pelo trabalho dos irmãos Villas Bôas, indicados ao prêmio Nobel em 1971, outro ponto importante é levantado: a questão dos povos indígenas ainda precisa ser mais amplamente discutida pelos brasileiros.

Como integrar o índio de maneira sensata, ao mesmo tempo respeitando sua cultura? É uma tarefa difícil, mas necessária, para a nossa geração e as futuras.



domingo, 8 de abril de 2012

Espelho, Espelho Meu



“Espelho, Espelho Meu”- “Mirror, Mirror”- Estados Unidos 2011

Direção: Tarsem Singh



A conhecida história da Branca de Neve dos livros de nossa infância e do desenho inesquecível de Walt Disney (1938), ganha roupagens novas em “Espelho, Espelho Meu” mas, no fundo continua a mesma fábula.

“Espelho, Espelho Meu” tem os ingredientes necessários para ensinar que toda donzela tem um pai que é uma fera, que a mãe pode ser madrasta na adolescência da menina, que beleza apenas não põe a mesa, como diz o ditado e que um príncipe é sempre muito bem-vindo, mesmo que seja só bonito e bobo.

À beira de um lago azul, cercado de florestas verdes, em cima de uma coluna negra de rocha, de frente para o abismo, lá está o castelo onde vive prisioneira a princesa (a lindinha Lily Collins, uma mistura de Audrey Hepburn e Leslie Caron) e a madrasta má (a ótima Julia Roberts) tão inteligente e bela quanto voraz e onipotente.

A conhecida rivalidade e a inveja entre as gerações femininas é o centro da história e sempre será.

E então entra em cena a magia que, negra ou branca, todos temos dentro de nós mesmos.

Em belíssimas cenas escurecidas, Julia Roberts mergulha no espelho líquido do seu quarto e vai para um lugar onde outro espelho, outro reflexo dela, aconselha a ter cuidado com esse plano de fazer Branca de Neve desaparecer.

Do alto de sua arrogância, ela não ouve a si mesma e vai se dar mal. No fim, vai ter que provar do próprio veneno.

O diretor indiano Yarsem Singh conta a história antiga com sabores novos. Há um humor afiado que, às vezes, se perde na tradução e, decididamente, há uma guinada na imagem dócil e caseira de Branca de Neve. Aqui ela veste calças para lutar e defender os seus direitos.

Mas não deixou de ser meiga e solidária. Os passarinhos foram substituídos pelos pobres súditos da rainha má, que Branca, politicamente correta, salva da expoliação que sofrem naquele reino.

É hilário o “spa”da rainha, que ironiza o que algumas mulheres passam para parecer uns anos mais jovens e, nem sempre conseguem. Muitas risadas com as abelhas-botox picando os lábios de Julia Roberts, as máscaras malcheirosas e as ferroadas do escorpião para tirar a celulite.

Os anões, que agora são ladrões, brincam com a ideia do impoliticamente correto, bancando os marginalizados que se revoltam e retribuem maldade com maldade.

E os figurinos? Roubam a cena. São tão lindos e pomposos os vestidos de Julia Roberts, com menção especial ao vestido de noiva, todo em pétalas brancas, que distraem os nossos olhos do resto.

Branca de Neve de cisne, no baile à fantasia em que conhece o príncipe (Armie Hammer) e com a gueixa revisitada do vestido que usa no seu casamento, é simplesmente uma visão. Isso para não falar dos intrincados figurinos da corte, feitos com uma incrível imaginação.

Eiko Ishioda, a figurinista quem o filme é dedicado, morreu em janeiro último. “Espelho, Espelho meu” foi o seu último trabalho. Grande perda para a fantasia no cinema.

E, no final, Hollywood se inclina perante Bollywood. Branca de Neve canta e todos dançam como se estivessem em Mumbai. Sinal dos tempos.

“Espelho, Espelho Meu” tem lá os seus encantos. Quem ainda é ou já foi uma garota, vai apreciá-los.



sábado, 7 de abril de 2012

Heleno - O Principe Maldito



“Heleno – O Principe Maldito” Brasil, 2011

Direção: José Henrique Fonseca



A vida dele foi uma ópera. E o filme começa no 3º ato, o mais dramático.

A câmara nos mostra Heleno, vivido por um Rodrigo Santoro surpreendente, 12 quilos perdidos, uma sombra de si mesmo, quase irreconhecível. Vê-se um homem muito magro, cabelo ralo, dentes ruins, olhar desfocado, arrancando da parede pedaços de jornal onde se leem as manchetes:

“O casamento de Heleno mexeu com a Cidade”, “Heleno é o mais novo membro do Clube dos Cafajestes”, “Dupla personalidade de Heleno de Freitas”, “Destempero de Heleno – Caso perdido” e outras mais que cobrem todo o nosso campo visual.

“- Serei lembrado, vocês não”, balbucia, “eu não preciso do carinho de vocês. Eu brilho.“

É um choque para quem não sabe nada sobre a vida de Heleno de Freitas (1920-1959), um dos maiores craques de futebol que o Brasil já teve e que empolgou as torcidas, jogando pelo Botafogo nos anos 40.

Mas, na verdade, o filme não é sobre futebol. Nem mesmo é a biografia de Heleno, porque muitos dos fatos mostrados no filme não aconteceram, nomes foram trocados, nada é muito explicado, para que o mito criado possa começar a aparecer na tela em cenas que são esparsas e não cronológicas.

Ao som de árias do “Cavalheiro da Rosa”, o vemos jogando na chuva e a torcida vibrando com um gol. Ele tira a camisa e, com o olhar esgazeado, joga-a para a multidão que grita seu nome.

E o homem elegante, que nasceu de uma rica família mineira, bacharel em Direito e bem relacionado com a elite carioca da época que o Rio de Janeiro era capital do Brasil, vai ser mostrado aos poucos.

E o que vemos é um ego descomunal, alguém que se considerava o melhor de todos e que por isso, não aceitava regras e nem conhecia limites.

Mulherengo, exibido e claro, sem noção da própria fragilidade, era presa fácil dos vícios que entorpecem. Fumando sem parar, bebendo muito e cheirando éter, seu caminho em direção à queda foi anunciado a todos, menos a ele mesmo.

Briguento no campo e na vida, pisava duro e maltratava os companheiros no jogo e nos vestiários.

Sedutor, passava de mulher em mulher nas boates do Rio. O Cassino da Urca e o Hotel Copacabana Palace eram o seu mundo. Uísque e champagne a rodo, arrogância e desprezo por quem mostrava algum cuidado com ele.

A bela Alinne de Moras vive Silvia (Ilma na vida real), a moça com quem se casou e teve um filho. Mas o casamento era um tal inferno para ela, que Heleno nunca conviveu com o filho, que ela afastou dele.

Acabou internado em um hospício em Barbacena, com sífilis, já em estado avançado.

Morreu aos 39 anos, louco e paralisado, depois de 5 anos de internação, tendo como único apoio o carinho do enfermeiro (Mauricio Tizumba, comovente).

O filme é um tratado sobre o que pode acontecer com alguém que, cego pelo próprio narcisismo, não ouve nada e a ninguém e é guiado por um sabotador interno incansável.

Causa horror ver alguém se destruindo dessa forma...

Filmado em um luxuoso preto e branco, com a fotografia do premiado Walter Carvalho, tem cenas deslumbrantes, que impactam pela beleza estética.

Talvez quem goste de futebol fique decepcionado com “Heleno”. Já quem se interessa pelo ser humano e pela beleza trágica no cinema, vai ficar encantado.



domingo, 1 de abril de 2012

Um Método Perigoso



“Um Método Perigoso”- A Dangerous Method”- Canadá/ Reino Unido /Alemanha, 2011

Direção: David Cronenberg



Na primeira cena do filme, a paisagem plácida e ajardinada da Suiça contrasta com o comportamento feroz de uma moça que grita, ri e se contorce dentro de uma carruagem, enquanto dois homens tentam controlá-la.

Sabina Spielrein (1885-1942), judia russa de 19 anos, nascida em uma família abastada, é internada no Hospital Burgholzli em Zurich (um dos melhores da Europa) em 1904. Ela vai ser o centro das atenções de David Cronenberg em seu filme “Um Método Perigoso”.

Mas vamos introduzir os outros personagens.

Carl Gustav Jung (1875-1961), suíço, 30 anos, era médico no hospital onde Sabina foi internada como histérica.

Ele era um homem alto e forte. Casado com uma mulher riquíssima, morava bem e não dependia de seu trabalho para sobreviver.

No palco principal, os dois personagens, Sabina e Jung, se aproximam através do método criado por Sigmund Freud (1856-1939), judeu nascido na Áustria, o pai da psicanálise, fundada em 1900, quando da publicação de seu livro “A Interpretação dos Sonhos”.

Ao contrário de Jung, Freud já tinha fama mas vivia sem luxos, com a mulher, a cunhada e seis filhos num apartamento de classe média em Viena.

Jung, estudioso do comportamento humano, fazia pesquisas nessa área mas não conhecia Freud pessoalmente. E tudo começa quando escolhe Sabina para ser a sua primeira paciente a ser tratada através da “talking cure” ou seja, um tratamento que faz o paciente falar sobre os males que o afligem, criado por Freud.

É bom lembrar que, nessa época, os doentes mentais que possuíam posses eram tratados com banhos, massagens, hipnotismo e outros métodos ineficazes. Aos pobres, restava apodrecer numa instituição pública.

Em 26 de outubro de 1906, Jung toma coragem e escreve a Freud:

“Trato no momento, utilizando seu método,de uma histérica. Caso difícil; uma estudante russa de 20 anos, doente há 6.” (in “Freud/ Jung-Correspondência Completa- Ed. Imago- p.47)

E, através de Sabina e seu tratamento, os dois médicos se aproximam, trocam cartas e se visitam.

Mas, Freud e Jung eram muito diferentes. O que os uniu, também os separou.

Jung, desde o principio não simpatizava com o papel central que Freud dava à sexualidade nas neuroses. Mas, se aproxima dele, a quem trata como um mentor. E o caso era que Jung se interessava por áreas especulativas que pareciam superstições para Freud.

Ora, isso era exatamente o que Freud não podia admitir em quem depositava a esperança de ser seu herdeiro. Mais, a quem pedia que o ajudasse a defender a nascente psicanálise, para que ela fosse vista com seriedade e aceita por círculos respeitados da academia. E, principalmente, Freud precisava de um ariano influente para levar a psicanálise a grupos mais amplos do que aquele que o cercava em Viena, constituído por médicos judeus.

Voltemos ao filme.

David Cronenberg, conhecido por seus sedutores toques de perversão nos filmes que já fez, dessa vez adaptou um livro (“A Most Dangerous Method – The Story of Freud, Jung and Sabina Spielrein”) de John Kerr e uma peça de Christopher Hampton (responsável pelo roteiro), “The Talking Cure”.

Mas, Cronenberg não deixou de colocar aqui também sua assinatura. O que se conhece como rumores de um encantamento romântico entre Jung e sua paciente Sabina, transforma-se numa relação sado-masoquista, na qual Jung, amante cruel, dá a Sabina o que ela pede: surras misturadas a beijos e orgasmos.

A menina que era espancada pelo pai e que transforma a dor em prazer para se defender, entrega-se agora, com paixão, ao homem que faz com que ela fale e relembre a excitação que sempre sentiu com experiências de humilhação.

As cenas imaginadas por Cronenberg, belamente eróticas, são uma “licença poética” que asseguram o seu jeito de ser cineasta.

E aqui reside justamente o perigo do método analítico, quando o psicanalista mal formado esquece o lugar que ocupa e atua as fantasias do seu paciente ao invés de interpretá-las.

Michael Fassbender e Viggo Mortensen são Carl Jung e Sigmund Freud. Excelentes atores mas distantes dos personagens reais.

Keira Knightley é Sabina Spilrein. Um pouco exagerada nos tiques e contorsões no início do filme, incarna bem a bela jovem que se cura dos traumas do passado e se torna uma das primeiras mulheres psicanalistas freudianas.

O filme é belo e nostálgico. Merece ser visto por quem se interessa pelos conflitos que se escondem na alma dos seres humanos.