terça-feira, 30 de abril de 2013

O Futuro





“O Futuro”- “The Future”, Estados Unidos/ Alemanha 2011
Direção: Miranda July

Esse é um filme singular. Dirigido, roteirizado e interpretado por Miranda July, é o segundo longa dela, obra de uma “videomaker”, isto é, alguém que é mais uma artista plástica (ela também é escultora e faz instalações) do que uma diretora de cinema.
“O Futuro” trata de muitos temas, todos ligados à angústia de ser, de existir. São vivências de um casal jovem, que mora em Los Angeles e os dois parecem não saber que pertencem à humanidade, que sempre teve que lidar com os mesmos assuntos com que eles se debatem, só que com outras roupagens.
Sophie (Miranda July) e Jason (Hamish Linklater) beiram os 35 anos e fazem de tudo para não se mexer, não fazer escolhas, não desperdiçar o futuro para o qual se preparam, deixando o tempo passar e só fazendo o básico. Mas não são preguiçosos, estão paralisados pelo medo da inadequação e pela angústia de não saber o que acham que devem saber.
Na verdade idealizam a vida para não pensar na morte que os assusta.
Quando começa o filme, eles decidem que estão preparados para um grande passo: a adoção de um gato. Mas não qualquer um. Vão adotar Paw Paw, o Patinhas, que tem seis meses de vida porque sofre de insuficiência renal.
Miranda July, que escreve o roteiro, também faz o gato, um marionete do qual vemos em “close” as duas patas, uma embrulhada em gaze, curativo necessário para as injeções na veia diárias. Com uma vozinha infantil, Miranda diz as falas de Patinhas, que é o único personagem do filme que assume sem medo suas próprias carências e está encantado porque, pela primeira vez, ele que era um gato sem dono, vai ser cuidado e amado, vai pertencer àquele casal que o escolheu e que vai lhe dar uma vida feliz.
Ficamos penalizados com essa parte dissociada de Sophie e Jason que quer pertencer, ser amada e não tem medo de expressar sentimentos. Deduzimos que Patinhas é um lado dessa geração de Miranda July que só pode viver um sonho de futuro. De certa forma, idêntico ao que vive o casal Sophie/Jason. Só que Patinhas fala o que eles não dizem.
E as perguntas afloram. Quanto tempo demora para o futuro chegar? Quem não vive o presente vai ter futuro? Quem sabe o dia que o futuro vai chegar? O futuro existe?
Os sentimentos que jorram da gaiolinha onde está Patinhas, são censurados no casal que tem medo de assumir responsabilidades e não poder fazer o que pensam que realmente fará sentido em suas vidas, mas que ainda não sabem o que é. Perdem-se rejeitando as vidas alternativas possíveis, buscando os sinais que os levarão à vida certa. Puro auto-engano.
Dessa forma, condenados a sentimentos opacos, são sombra do que poderiam ser, presos na armadilha de não viver para não sofrer.
Pobre Patinhas, pobres Sophie e Jason.
“O Futuro”, que tem um ritmo lento proposital, precisa que a plateia abra seu coração para aprender a lição que a ruiva de olhos azuis e pele muito branca tem para ensinar: corram porque o futuro já chegou!

sábado, 27 de abril de 2013

Depois de Maio




Depois de Maio”- “Après Mai”, França 2012
Direção: Olivier Assayas

Assim que o filme começa, somos avisados que estamos em 1971, “não longe de Paris”.
Em uma sala de aula, vemos um professor ler para sua classe de jovens de 16, 17 anos:
“Nada existe além da vida, que é a coisa mais frágil.”
Esses jovens, que ainda eram crianças em 68, quando aconteceu em Paris uma mobilização da juventude como nunca antes se vira, também vão ter seus choques com a polícia, em cenas onde existe um corpo a corpo violento, jovens e policiais se enfrentando para valer, porrete na mão, em meio à fumaça das bombas, sirenes, balas de borracha e correria.
Gilles (Clément Metayer) está lá, com seu grupo do liceu e parece que concretizam o que toda juventude exercita: a ideia de mudar o mundo e rebelar-se contra o “status quo”.
Mas claro que o amor e o sexo convivem mão na mão com a política.
E Gilles encontra Laure (Carole Combs) em meio a árvores verdejantes de um bosque de verão, ela de vestido branco comprido de rendas, ele com uma camiseta colorida, pintada a mão.
Mas é uma despedida. Ela conta que vai para Londres com a família, mas que vai escrever para ele:
“- Você tem outro?” pergunta Gilles.
“- Não sei. Pode ser. Tenho que pensar. Mas não quero te perder.”
Para Gilles resta outra alternativa. Voltar seus olhos para sua colega Christine (Lola Créton) que também gosta de cinema como ele e é menos complicada do que Laure.
O ativismo dos garotos do grupo de Gilles é a pichação com palavras de ordem e a confecção de um jornalzinho com ideias anárquicas, fruto de discussões intermináveis. Mas tudo vai desembocar perigosamente numa noite de “coquetéis Molotov”, lançados contra os vigias que tinham delatado os pichadores na escola. Algo saiu errado e um dos vigias é gravemente ferido, o que leva o grupo de jovens a debandar cada um para um lado.
Gilles e Christine vão para a Itália e em meio à garotada de várias partes do mundo, conhecem um grupo de cinema engajado e Christine identifica-se com eles. E lá vai ela para destino ignorado com esse pessoal.
Gilles e seu amigo Alain (Felix Armand), que compartilham o gosto pela pintura, visitam Pompéia e é se inspirando nos afrescos, mosaicos e corpos cobertos de lava do Vesúvio de um passado distante, que os dois percebem que escolheram a arte e que esse é o caminho deles.
E o filme que começa com todas aquelas ideias de mudar o mundo onde vivem, vai dar numa viagem de autoconhecimento e escolha do que vão fazer com o resto de suas vidas.
Olivier Assayas fez um filme bonito e terno, com uma reconstituição maravilhosa de época, para contar a história de sua geração, onde prepondera o idealismo e o amor sobre a autodestruição e no qual, o fazer cinema é colocado em relevância.
Alguns cobraram o fato de que o diretor teria falado só da “sua” geração, de experiências de uma juventude burguesa, mais dada a descobertas de prazeres do que a um trabalho duro de sobrevivência como a grande maioria.
De qualquer modo, Olivier Assayas que dirigiu um filme altamente engajado como “Carlos”, tem o direito de nos mostrar como foi que chegou a ser quem é. Um grande nome do cinema, sem sombra de dúvida.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Irmãs Jamais



“Irmãs Jamais”- “Sorelle Mai”, Itália 2010
Direção: Marco Bellocchio

Quem vai ver “Irmãs Jamais” sem saber nada sobre o filme, se for uma pessoa que gosta de cinema e tem curiosidade sobre o processo criativo e o olhar de um grande diretor de cinema como Marco Bellocchio sobre a família, vai gostar de descobrir “Sorelle Mai”. Essa pessoa, certamente já viu “Bom dia, noite” (2003) sobre o caso Aldo Moro e as Brigadas Vermelhas e “Vincere” (2008) sobre a Itália no período Mussolini, grandes sucessos de Marco Bellocchio no Brasil e no mundo.
Agora, quem entra no cinema achando que vai ver uma comédia italiana e dar grandes gargalhadas, provavelmente vai sair no meio do filme.
Porque “Sorelle Mai” é um produto do acaso. E, ao mesmo tempo, é um retrato construído ao longo de uma década, da família e da sociedade italiana.
Explico melhor. Marco Bellocchio, 73 anos, em todos os verões, vai para sua cidade natal, Bobbio, fazer um “workshop” de cinema, “Fare Cinema”. Filmava um pouco a esmo, sem um projeto de fazer um filme. Foi só depois, que ele percebeu que os episódios que começam a ser filmados em 1999 e vão até 2008, podiam ser vistos como um filme único.
O local é sempre a casa da família, a praça de Bobbio, o rio, o cemitério. Os atores, e isso é uma coisa bela e rara, são quase todos parentes de Bellocchio.
As irmãs dele são as tias que permanecem sempre na casa, protegendo a família, um porto seguro para os sobrinhos, Giorgio (o protagonista, que é filho de Bellocchio) e a sobrinha-neta Elena (que é a filha caçula do diretor) que cresce com as tias, longe da mãe Sara, interpretada por Donatella Finochiaro, amiga do diretor.
O próprio Bellocchio faz uma ponta na cena da reunião de professores, como diretor da escola, na qual uma professora, locatária das tias, tem uma revelação brilhante sobre o papel do educador.
O titulo, traduzido ao pé da letra no Brasil, perde a ironia do duplo sentido que Bellocchio quis dar ao sobrenome dado às irmãs dele. Porque Mai, em italiano, significa “jamais” mas também pode ser um sobrenome. E as tias solteironas são o “jamais”, que nunca deixaram a casa, não tiveram filhos, um pouco por vontade própria mas muito por causa do jeito com que essa família tinha de mantê-las com guardiãs da casa, defendendo o território que será herdado pelos sobrinhos que iam e vinham. Giorgio, sempre com projetos que não davam certo, mora em Roma e Sara, que quer ser uma atriz, em Milão, longe da filha Elena.
Giorgio, apesar de suas trapalhadas, é afetivo com Elena quando está em Bobbio e briga com a irmã Sara que está ausente da vida da filha. Ele até tenta ser uma espécie de pai para a garota, que vemos crescer dos quatro aos quatorze anos, aparentemente feliz com o rumo que sua vida tomou, apegada à cidadezinha, aos amigos, às tias e ao modo de vida do interior.
É pelas perguntas que Elena faz às tias que ficamos sabendo um pouco sobre a bisavó dela , mãe de Bellocchio e de suas irmãs. O passado não morre. Linda a cena da brincadeira com o véu de noiva da bisavó.
E o personagem do contador Gianni Schichi, administrador das propriedades da família é um senhor de cabelos brancos que goza da intimidade de todos.
É através dele que a morte irá se introduzir de maneira inesperada, durante uma filmagem.
Ele desaparece como se os novos tempos não o encantassem. Uma despedida teatral.
“Sorelle Mai” junta realidade e ficção de uma maneira única e fala sobre a decadência de uma família e também de um país, com lirismo e graça.
A nota de esperança é Elena. Ela ainda tem a vida toda pela frente. Será a nova Itália?

domingo, 21 de abril de 2013

Kon-Tiki




“Kon-Tiki”- Idem, Noruega/ Dinamarca/Reino Unido, 2012
Direção: Joachim Roenning e Espen Sandberg

Na tela, um céu azul claro e montanhas com pinheiros e neve.
Um vulto surge ao longe e o vemos aproximar-se, em uma única tomada sem cortes. Aos poucos, distinguimos dois meninos. O de olhos azuis olha fixo para a câmara. Vê-se determinação no rosto infantil.
“- Thor, não faça isso!”
Outros meninos rodeiam Thor que, à frente de um buraco no lago gelado, pula para um pedaço de gelo que flutua e balança perigosamente com o peso do menino. O pior acontece. E Thor cai na água gelada.
Debate-se e afunda.
Não conseguimos saber quem foi mas um dos meninos consegue iça-lo para a superfície. Thor, pálido, treme da cabeça aos pés, deitado na neve.
Na cena seguinte, Thor está na cama, em silêncio, ouvindo seus pais comentarem preocupados:
“- Não sei por que você foi fazer isso...”, diz a mãe.
“- Promete que nunca mais vai voltar a fazer algo perigoso? Promete?”, diz o pai.
Parece que ele não prometeu nada. Porque aquele menino louro viria mais tarde a ser o chefe da expedição Kon-Tiki, uma aventura suicida, como comentavam na época.
Thor Heyerdahl, interpretado pelo norueguês Pal Sverre Valheim Hagen, em 28 de abril de 1947, sai do porto de Cullao, no Perú, com outros cinco tripulantes, em uma frágil jangada, feita exatamente como era construída pelos povos pré-colombianos há 1.500 anos atrás. Seu desejo é provar a tese de que a Polinésia foi descoberta pelos antigos povos que habitavam a região que hoje é o Perú, e não por asiáticos, como se acreditava até então.
Tudo começou porque Thor e sua esposa Liv (Agnes Kittelsen) viveram por 10 anos em Fatu Hiva, na Polinésia francesa. Estudaram a cultura, a fauna e a flora da ilha e a vida do dia a dia levou Thor a observações interessantes:
“- Nossa! Como esses povos asiáticos devem ter sido fortes para conseguir remar contra a correnteza para chegar aqui...”, diz Liv a Thor, os dois remando uma canoa.
Depois:
“- Como vocês vieram parar aqui?” pergunta Thor a um chefe tribal.
“- Nós acreditamos que o deus Sol, Tiki, trouxe-nos para essas ilhas a partir da terra por trás do mar. Viemos do leste. Tudo vem do leste. As correntes do mar também. Os Tiki navegaram o Sol.”
Juntando observações como essas, Thor Eyerdahl construiu sua teoria:
“- Os antigos não viam o mar como uma barreira mas como uma estrada.”
O filme é o relato fiel dessa expedição e dos perigos e contratempos que esses homens louros e corajosos enfrentaram. Navegaram 8.000 quilometros, em 101 dias, impulsionados pelas correntes e pelo vento, em meio a calmarias, tempestades, tubarões, ondas gigantes e o pior de tudo, o medo de morrer.
O menino, que ficou tão traumatizado com a queda na água gelada que nunca conseguiu aprender a nadar, conseguiu provar sua teoria, escreveu um livro sobre a expedição Kon-Tiki que vendeu 50 milhões de exemplares e rodou um documentário durante a viagem na jangada que ganhou o Oscar de 1950.
O filme é um tributo da Noruega a seu herói, Thor Heyerdahl (1914-2002) que viveu essa aventura fascinante, que acompanhamos com emoção nesse filme (indicado a melhor filme estrangeiro no Oscar de 2013), como se estivéssemos na jangada com ele e seus companheiros.
“Kon-Tiki” é um filme envolvente, muito bem dirigido, que sabe narrar a aventura, mostrar o épico e o dramático, além do perfil psicológico desses corajosos desbravadores.

Hoje



“Hoje”- Brasil, 2011
Direção: Tata Amaral

Sabemos que a cidade é São Paulo e o ano 1998. Mas não temos a mínima ideia de quem é aquela moça (Denise Fraga) que parece feliz, abrindo a porta daquele apartamento e que, descobrindo persianas fechadas, abre todas elas, enchendo o espaço de luz.
Ela até procura a champanhe que trouxe na bolsa e faz um brinde, bebendo na garrafa:
“- Viva!”
Sobem os homens que trouxeram a mudança e lá vai ela distribuindo móveis, abrindo caixas, até flertando um pouco com um dos homens da mudança. Ela está feliz.
Toca o telefone celular e é a irmã dela:
“- Não, por enquanto não preciso de nada, Antonia. Sim! É um velho apartamento novo. Qualquer coisa te ligo. Beijos.”
Algumas notas dissonantes indicam que ela vai ter que arrumar umas coisinhas: a torneira da cozinha, uma janela que não abre direito, o fogão não passa pela porta do apartamento...
E a síndica, vizinha de baixo, quer conversar e alertar sobre medidas de segurança que não interessam. Ela se livra dela pedindo desculpas e fechando a porta. Vira-se e se assusta:
“- O que você está fazendo aqui?”
Olham-se intensamente, o homem e ela.
“- Estás muy linda, Ana Maria”, diz ele (Cesar Troncoso) com um sotaque em portunhol.
“- Vera”, corrige ela.
Silêncio entre os dois.
“Você não vai falar nada?” pergunta ele.
“- Você também não fala nada...” responde ela.
“- Alguém tem que falar”, diz o homem.
E recomeça aquilo que não tinha acabado. No dia da mudança, Vera percebe que está muito mais mexida do que pensara e que vai ter que enfrentar aquele homem e as lembranças difíceis que ele traz para ela.
Agora se esquivando dos homens da mudança que perguntam coisas, Vera e Luis vão ter que colocar sentimentos pesados no lugar certo.
Mexendo nas memórias reprimidas, Vera dá-se conta de que precisa lembrar-se do que aconteceu para que a vida possa seguir em frente.
Tata Amaral dirige com o coração esse roteiro de Jean-Claude Bernardet, baseado no livro de Fernando Bonassi, “Prova Contrária”.
“- Rasgo o meu coração em todos os filmes, mas este é o mais íntimo”, confessa ela, que passou por coisas que a personagem de Denise Fraga também conheceu. A diretora concebeu seu filme à luz de suas próprias lembranças de vida, apesar de não ter vivenciado o período da ditadura militar no Brasil, porque era uma criança pequena naquela época.
“Hoje” traz à tona o tema dos “desaparecidos”, ligado às torturas e mortes nos porões da ditadura militar e com o que aconteceu às pessoas que tiveram que enfrentar as consequências de tudo isso.
Esse drama político, que também é uma história de amor, ganhou seis prêmios no Festival de Brasilia de 2011: melhor filme, melhor direção de arte para Vera Hamburguer, melhor fotografia para Jacob Solitrenick, melhor roteiro para Jean-Claude Bernadet, Rubens Ewald e Felipe Sholl, melhor atriz para Denise Fraga e melhor longa para a crítica.
Como veem, o filme é um trabalho de equipe que foi recompensado e que espera agora os aplausos de seu público nos cinemas.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ginger e Rosa



“Ginger e Rosa” – “Ginger & Rosa”, Reino Unido, Dinamarca, Canadá, Croácia, 2012
Direção: Sally Potter

É sob o signo do cogumelo da bomba de Hiroshima, 1945, que duas mulheres dão-se as mãos, numa sala de parto em Londres, para aguentar melhor as dores do nascimento de duas meninas.
Ginger e Rosa são inseparáveis. No balanço, estão de mãos dadas, enquanto suas mães conversam sobre seus problemas com os maridos. O pai de Rosa partiu quando ela nasceu e o de Ginger (Alessandro Nivola) vive se separando e voltando para Nat, a mãe (Christina Hendricks).
Um salto no tempo e vamos para 1962 quando as meninas já são adolescentes mas ainda não começou a “swinging London”. Continuam fazendo tudo juntas, em meio a muitas risadas e segredinhos. Vestem-se iguais, cabulam aula, passam a ferro o cabelo uma da outra, deitam-se na banheira com seus jeans para desbotá-los, brigam com as mães e fumam seus primeiros cigarros.
Mas quando começa o tema rapazes, Rosa (a estreante Alice Englert, filha da diretora Jane Campion) é mais desinibida e interessada no assunto que Ginger, a ruiva, que mais observa o comportamento de Rosa nas vielas escuras onde vão para namorar.
“- Prefiro que o mundo nunca acabe, para encontrar o amor perfeito, que dura para sempre”, sonha Rosa.
“- Mas você não acha que devemos fazer algo para deter essa bomba que vai nos destruir?” responde Ginger.
Ela quer ser poeta, gosta de jazz, de política e sabe quem é Simone de Beauvoir e Bertrand Russell.
A partir daí as meninas vão se separando, cada uma ligada em seus interesses.
Rosa é claramente mais sedutora e o pai de Ginger, Roland, combina nisso com ela. Nas cenas dos três, Ginger sente-se excluída e vê-se a raiva brilhar em seus olhos emoldurados por cabelos de fogo.
São fúrias edípicas próprias da idade e perfeitamente explicáveis? Misturam-se aos ciúmes que sente da amiga e ao medo de tornar-se mulher?
Quando Ginger chegar a extremos, observamos uma nota mais pesada em seu comportamento adolescente.
A crise dos mísseis de Cuba que esquentou a Guerra Fria, faz Ginger enterrar-se no medo do apocalipse, para não sofrer demais com o que acontece ao seu redor, onde as emoções explodem.
O padrinho Mark e seu companheiro (Oliver Platt e Timothy Spall) ajudados por Bella (Anette Benning) bem que tentam trazer Ginger de volta à realidade e torná-la mais razoável.
“Ginger & Rosa” é um filme sobre a passagem da adolescência para a vida adulta, realizado com o talento e as memórias afetivas da diretora e roteirista Sally Potter, 65 anos. É forte e delicado, impactante mas compreensível, como essa fase da vida das meninas, de descobertas sobre a vida e o amor.
A talentosa Ellen Fanning é o centro do filme e consegue convencer como uma mocinha de 17 quando tinha só 13 anos quando o filme foi rodado.
A trilha sonora é deliciosa e o público deixa o cinema ao som de “The Man I Love” no piano de Thelonius Monk, bem impressionado com “Ginger & Rosa”, um filme marcante.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Juan e a Bailarina




“Juan e a Bailarina”- “La Sublevación”, Argentina/Brasil, 2011
Direção: Raphael Aguinaga

Aquela casa já conheceu dias melhores, como todos que nela habitam.
No meio da noite, um carro fúnebre recolhe um passageiro que já se foi. E, uma senhora com ar elegante e roupas simples (Marilu Marini), é deixada às pressas com sua mala, na frente da casa. Não há despedidas. Só um garotinho acompanha tudo, mudo, dentro do carro.
De algum lugar da casa vem música que traz lembranças. “Madreselva”, o tango, é dançado na memória dela, que espera fora da casa e na dele, que não sai nunca de seu quarto, vivendo de recordações e álcool. Um frasco de perfume traz para ele o cheiro de uma mulher, “mi primero amor”, como canta o tango.
Como ninguém abre a porta, a senhora é obrigada a passar a noite nos degraus da frente da casa até que é acordada com gentileza por Rosa (Graciela Tenembaum), a cuidadora dos velhinhos do asilo Nossa Senhora da Misericórdia.
Enquanto Juan (Arturo Goetz), o romântico enrustido, tenta pegar pombos, em armadilhas na janela, para prepará-los à francesa, o amigo Miguel chega com a notícia:
“- Carmencita morreu. Sabe quem vai ocupar o quarto dela? Um anjo, um bombom, deliciosa. Uma torta de chocolate. Não anda, flutua. Parece uma bailarina!”
Um solo de clarinete e a câmara sempre próxima, atenta a detalhes, acompanham o passeio da senhora de ar elegante pela casa. No quarto que lhe foi destinado, coloca um desenho do neto sobre o criado mudo.
Nessa fábula sobre a velhice, dirigida e roteirizada pelo brasileiro Raphael Aguinagua, 39 anos, a “bailarina” e a “incrível notícia” mudam a vida quotidiana e rotineira daquela casa. A estranha, pela inveja e admiração que desperta, e a volta de Jesus, clonado pelo Vaticano, notícia da TV, que é o maior divertimento do grupo, pelo inusitado e o medo do Apocalipse.
Esse clima surreal ajuda a sobreviver. Para não pensar em maiores infortúnios, aqueles seres humanos, que sabem que está chegando a hora, se distraem com pequenas discussões, gestos de solidariedade, jogos no parque, picuinhas e a volta de Jesus.
E, quando a cuidadora sai de férias e é substituida por seu filho, chamado de “A Bruxa” porque maltrata os velhinhos, cria-se o motivo para o levante, “La Sublevación”, que é o titulo original do filme. Nada como um bom motim para esquentar os ânimos e animar a todos, unidos em uma causa comum.
Além da mensagem que a velhice pode ser um momento de amizades solidárias, criatividade e até romances, “Juan e a Bailarina”, filme argentino brasileiro, falado em espanhol e rodado na Argentina, tem toques de bom humor que tiram a solenidade e a melancolia próprias de um asilo.
O diretor, que dedicou seu filme ao avô, tem um olhar carinhoso e dota seus personagens com um ânimo saudável. “O poeta emprestado ao cinema”, como ele mesmo se define, realizou uma comédia inteligente e delicada que se destaca nessa leva de filmes sobre a velhice a que temos assistido nos últimos tempos.

sábado, 13 de abril de 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada



“Vocês Ainda Não Viram Nada”-“Vous N’Avez Encore Rien Vu”, França, Alemanha 2012
Direção: Alain Resnais


Nuvens na tela esgarçam-se sobre uma paisagem de montanhas. Depois, ânforas gregas e mosaicos bizantinos sugerem que vamos ouvir falar de mitos antigos.
Mas, antes de continuar, um aviso importante: é preciso que o espectador deixe-se levar por Alain Resnais, 90 anos. É necessário acompanhar o diretor sem preconceitos nem críticas, dizer sim à novidade e maravilhar-se com sua imaginação grandiosa.
“Vocês Ainda Não Viram Nada” alerta para que não prejulguemos algo que ainda não conhecemos. Resnais escolhe sempre esse nome para todos os seus filmes, antes do definitivo. Dessa vez, o título temporário foi o que ficou.
Adaptação de duas peças de Jean Anouilh, “Eurydice” e
“Cher Antoine”, é uma homenagem aos textos de teatro e aos atores que os dizem. E Resnais confessa que escolher uma peça faz ganhar tempo. Um roteiro original levaria uns dois anos para ser escrito. E compreendemos que ele tem pressa. O tempo, tema de todos os seus filmes, é agora escasso.
Quando o filme começa, vemos que uma mesma mensagem é dita por telefone a 13 pessoas, grandes atores do cinema e teatro franceses. Mas não importa se você não conhece esses nomes. O importante é entender a situação que o escritor morto, amigo deles, propõe que aconteça em sua casa no cume de uma montanha. 
Quando eles chegam lá, uma frase os saúda: “Quando passou a ponte, os fantasmas vieram ao seu encontro” (do “Nosferatu” de Murnau).
O mordomo leva os atores à sala de cinema e, quando se sentam nos sofás negros da sala adornada com pinturas nas paredes, são convidados pelo amigo morto, que aparece na tela, a julgar se a peça dele, “Eurydice”, que todos eles interpretaram no passado, pode ser reencenada por uma companhia de atores jovens que será vista por eles.
E o momento mágico acontece quando os pares Orfeu/Eurydice (Sabine Azéma/PierreArditi e Anne Consigny/Lambert Wilson) começam a se formar novamente e a peça se desenrola então, atuada por atores que se situam em três idades da vida: a juventude, a meia-idade e a maturidade.
Na tela são os jovens desconhecidos, na sala os atores consagrados. E há nuances diferentes em cada interpretação.
É como se a memória do texto trouxesse com ela o momento afetivo que esses atores viveram no palco.
E, numa espécie de transe, eles se levantam e passam a viver os personagens da peça encenada pelos jovens. Ora em uníssono, ora em eco, ora apenas eles, ora apenas os jovens. Ora atores consagrados e os jovens, dialogando.
Resnais, em sua imensa sabedoria, nos faz pensar em temas universais que aparecem na peça encenada: o amor idealizado, os ciúmes, o horror à solidão, a impaciência dos amantes, o para sempre, o que estimula e o que mata o amor, sentimento delicado que pode ser confundido com a vontade de amar e ser amado.
E a questão principal, trazida por Mathieu Almaric, que interpreta o Destino: não é a morte que faz sofrer, é a vida. Tudo que vivemos fica em nós. São os fantasmas que assustam Eurydice e fazem que o amor deles seja difícil. A culpa por não poder ser aquela que Orfeu idealiza faz Eurydice fugir dele.
E só a morte vai unir para sempre os amantes ideais que a vida não poupou.
Resnais, de filmes antológicos como “Hiroshima, mon amour”1959, “O Ano Passado em Marienbad”1961, “Mon Oncle D‘Amérique”1980, para só citar os mais conhecidos, aos 90 anos quer viver e produzir filmes. O próximo começa a ser rodado no fim do ano. “Aimer, boire et chanter”, titulo provisório, é baseado na peça de Alan Ayekbourn.
O cinema precisa de gênios como ele, ainda que só uma elite intelectual e pessoas com sensibilidade o apreciem. Não importa. Porque seus filmes sempre se tornam inspiração para essa gente.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Therese D.




“Therese D.”- “Thérèse Desqueyroux”, França, 2012
Direção: Claude Miller

No verão de 1922, num lugar chamado Esperança, no campo francês, vemos duas meninas, Thérèse (Audrey Tautou) e sua amiga e vizinha Anne (Anais Demoutier), de bicicleta, na floresta de pinheiros que pertencia à família delas.
Depois, as duas deitadas em um barco, aproveitando o sol. Anne relaxa e Thérèse lê.
Em outro dia, Anne, com um tiro certeiro, abate uma pomba. Thérèse olha, com curiosidade e quase horror, a amiga arrancar o pescoço da avezinha. Mau presságio?
Um veleiro de velas vermelhas passa na praia e um rapaz canta uma canção.
“- Um dia meu irmão vai se casar com você”, diz Anne para a amiga.
Em abril de 1928, Thérèse Laroque passeia de braços dados com Bernard, irmão de Anne.
“- Vamos juntar nossas terras quando casarmos.”
“- Bernard, vou casar com você por causa de seus pinheiros. Você também vai fazer a mesma coisa pelo mesmo motivo.”
“- Ah! Quantas ideias falsas nessa cabecinha!” retruca o noivo.
“- Você vai ter a chance de destrui-las”, responde ela.
No belo casarão da família Desqueyroux, a mãe diz para o filho (Gilles Lellouche):
“- Me incomoda que a sua futura esposa tenha mais terras do que nós... E depois, ela fuma como uma chaminé!”
Mais tarde, Thérèse diz para Anne:
“- Minha cabeça está cheia de ideias. É isso que me dá medo, não o casamento com seu irmão, Annette. O casamento vai me salvar dessa desordem na cabeça. Escolhi a paz.”
Mas o casamento vai cobrar, cada dia, que ela esqueça de ter uma vida individual, já que pertencia à família do marido.
Será que o romance proibido da agora cunhada Anne com o belo rapaz português, que mora em Paris, e é judeu, mexeu com Thérèse?
É ela que é mandada pela família para falar com o rapaz para que termine o namoro. E escuta dele (Stanley Weber):
“- Mas eu nunca pensei em casamento! Anne teve a chance de amar o homem de sua vida. Depois ela vai se casar como você, como qualquer mulher da província.”
Thérèse, que sempre fora pálida, vai ficando mais fria e distante. Só os olhos, vivos e atentos, parecem procurar uma saída.
Quando a filha nasce, ela não é maternal nem se preocupa em cuidar do bebê.
Sua cabeça fervilhava de ideias malsãs.
Uma aparente placidez escondia uma turbulência interna perigosa, delirante, que buscava uma libertação daquela prisão onde ela se sentia fenecer.
Audrey Tautou, 36 anos, está maravilhosa na pele dessa mulher que conquista seu espaço pagando um preço muito alto.
Claude Miller, que morreu antes de ver seu filme nas telas, adaptou o livro de 1927, escrito por François Mauriac (1885-1970), prêmio Nobel de literatura.
Quem leu o livro, que dizem ser sombrio, percebe que o diretor não concorda com a punição e o desprezo que o escritor reservava para sua personagem Thérèse. Claude Miller disse a Audrey Tautou que queria fazer um filme feminista e foi com esse viés que dirigiu “Thérèse D.” Percebe-se que ele sente simpatia por essa mulher aprisionada por costumes rígidos e uma tradição cruel que dava pouca importância aos desejos de afirmação das mulheres que viveram naquela época.
Uma bela fotografia e minuciosa direção de arte são um atrativo a mais nesse interessante filme de época.

sábado, 6 de abril de 2013

Sejam Muito Bem-vindos





“Sejam Muito Bem-vindos”- “Bienvenue Parmi Nous”, França 2012
Direção: Jean Becker

Aquele senhor tem um problema. Vê-se pelo modo como fala, como olha as pessoas, como se movimenta.
“- O dia está lindo!”, diz sua mulher.
Mas ele está cinzento e, ao invés de comprar o pernil encomendado por sua esposa, traz para casa um rifle com pouquíssima munição.
“- Desistiu da pesca? Vai caçar javalis?”, tinha perguntado o dono da loja de esportes.
Não. O senhor Taillandier, pintor de sucesso, conhecido na cidadezinha onde mora, não vai caçar. Quer se matar...
O filho estranha o jeito do pai quando recebe no almoço seu presente de aniversário:
“- Uma viagem para a Itália com mamãe!”
Ele sai da mesa:
“- Não tenho fome...”
A neta comenta:
“- O que tem o vovô? Está nervoso...”
E o filho pergunta para a mãe:
“- O que é que o papai tem?”
“- Não sei... Acho que é depressão. Tentei falar com ele mas você sabe como ele é...”, responde desanimada.
Isso pode acontecer com os melhores seres humanos. Ao ver que a vida vai acabando, a juventude que se foi, aquilo que não aconteceu, a pessoa se depara com uma grande tristeza, raiva e mau humor com tudo e todos. É a depressão, como rótulo.
Taillandier ( o grande ator Patrick Chesnais) deixa então um bilhete para sua mulher (Miou- Miou) e sai sem rumo pela estrada.
A câmara fixa seus olhos baços e seu rosto contraído, que são o retrato de uma encruzilhada onde ele se encontra e não decidiu ainda para onde ir.
Quer viver, apesar de tudo ou morrer? O rifle está no porta-malas.
Chove muito e no farol, alguém invade o carro do pintor perdido. É Marilou (a estreante Jeanne Lambert), uma garota de 15 anos, que foi expulsa de casa pela mãe e pelo padrasto.
Ela parece tão perdida como Taillandier.
Mas esse encontro casual vai selar uma mudança na alma daqueles dois. Um vai despertar no outro algo que parecia inexistente antes de se encontrarem.
Jean Becker, filho do grande diretor de cinema Jacques Becker(1906-1960), que dirigiu “Les Amants de Montparnasse”(1958), e que faz 80 anos em maio, é conhecido do público brasileiro por “Minhas Tardes com Marguerite” (2010) e “Conversas com Meu Jardineiro” (2006). São filmes que falam do ser humano com carinho e de como precisamos do outro para nos reinventarmos. Seus personagens são pessoas que gostaríamos de conhecer.
Alguns acharam o filme chinfrim, raso e simplório. Talvez porque não perceberam que a força dos filmes de Jean Becker é olhar o ser humano com simplicidade e delicadeza.
Adaptando o romance de Eric Holder, o diretor de “Sejam Muito Bem-vindos” privilegia, como sempre, o carinho que mostra com seus semelhantes, mostrando que a vida oferece sempre uma oportunidade de crescimento em uma nova direção.
Muita gente gosta de ir ao cinema para ver isso. 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dentro da Casa



“Dentro da Casa”- “Dans la Maison”, França 2012
Direção: François Ozon

Será que a volta ao uso do uniforme no Lycée Auguste Flaubert vai trazer aos alunos a proclamada igualdade, lema revolucionário francês, como quer seu diretor?
Ora, na tela, vendo os retratinhos 3x4 dos alunos de uniforme se sucedendo com rapidez relâmpago, salta à vista a diferença dos rostos, cores e cabelos. Eis a primeira ironia de François Ozon em “Dentro da Casa”. A igualdade externa não existe.
E a cabeça daqueles alunos?
Para o professor Germain, de literatura, nisso eles se igualam. A mediocridade é comum a todos. São os “bárbaros do futuro”, numa alusão à decadência do Império Romano.
Incapazes de escrever duas linhas mal cozidas, tais alunos irritam o professor, que tenta apresentá-los aos grandes autores franceses, para que aprendam alguma coisa sobre a natureza humana.
Afinal, partilhamos todos a mesma natureza e ao mesmo tempo somos diferentes, dependendo da maneira com que cada um vive a própria vida. E é isso que impulsiona a nossa curiosidade sobre os outros, a vontade de bisbilhotar, falar da vida alheia, ler livros, ver filmes.
Em “Dentro da Casa”, o professor Germain (o ótimo Fabrice Luchini) não dá o braço a torcer mas está encantado com o seu aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer, talentoso) e o estimula a continuar a escrever sobre a família do seu melhor amigo Rapha (Bastian Ughetto), a quem ele ajuda nas lições de matemática, na casa dele.
Apesar de ser um tantinho inusitado, no entender do professor, que Claude escreva e exponha a família de Rapha no papel, essas redações que sempre tem um “à suivre” no fim, isto é, “continua”, produzem um efeito intenso nele, que passa a lê-las para sua mulher (Kristin Scott Thomas), como se fossem os capítulos de um folhetim, uma novela.
Há uma forte identificação do professor com aquele aluno bem dotado.
“- Ele se senta na última fila,” diz Germain para sua mulher.
“- Como você fazia,” responde Jeanne.
“- É o melhor lugar. A gente vê todo mundo e ninguém vê a gente”, retruca o professor.
O filme se inspira na peça de teatro “O Menino da Última Fila” de Juan Mayorga, que foi transformada em roteiro pelo próprio diretor François Ozon, 45 anos, responsável por “Sob a Areia”(2000), “Ricky”(2009) e “Potiche”(2010), entre outros filmes de sucesso.
A procura de Claude em conhecer de perto tudo que diz respeito àquela “família normal”, como ele escreve e que ele cobiça, principalmente na figura da bela mãe do amigo (Emanuelle Seigner), pode ser compreendida à luz das carências de Claude, que tem um pai inválido e uma mãe que abandonou a casa quando ele era pequeno.
Mas essa motivação psicológica não é o que faz Claude prender a atenção do professor e de sua mulher, galerista de arte contemporânea. O que atrai no texto dele é a graça, a ironia, a sedução que faz com que todos que entrem naquela casa com Claude, queiram saber mais sobre aquelas pessoas.
São reais ou imaginárias? Não importa. A literatura tem o poder de contar histórias que nos prendem, sejam totalmente inventadas ou realmente acontecidas, pelo simples dom de contá-las que todo bom escritor tem.
E Claude tem esse talento, além de personificar aquilo que os franceses chamam de “beauté du diable”, beleza que a todos seduz.
Entre o aluno e o professor, instala-se um clima de “As Mil e Uma Noites”, sendo que aqui, Claude/Sherazade não apenas seduz o professor mas quer sempre escrever mais sobre aquela família escolhida.
Porque a história que é contada envolve também o contador da história que olha, por “um buraco de fechadura” imaginário, a vida de seus personagens, que tem muito dele mesmo, num retorno de uma imagem transformada.
“Dentro da Casa” é uma homenagem à imaginação que enriquece nossas vidas toda vez que lemos, ouvimos ou vemos uma história que nos prende.
Não foi à toa que Ozon homenageou “Janela Indiscreta” de Hitchcock na última cena do filme. Tem tudo a ver.