sábado, 31 de maio de 2014

Malévola


“Malévola” – “Maleficent”, Estados Unidos, 2014
Direção: Robert Stronberg

Como não se encantar com “Malévola”?
A história da “Bela Adormecida”, do velho conto de fadas na versão de Charles Perrault de 1697, que levou a Disney a fazer a animação de 1959, tem uma nova versão, contada do ponto de vista da fada Malévola.
Quem comanda a beleza que está na tela é o diretor novato Robert Stronberg, que já ganhou alguns Oscars como diretor de arte, em filmes como “Avatar”, “Alice no País das Maravilhas”, “Oz, Mágico e Poderoso”, que também dirigiu e “As Aventuras de Pi”.
Imagens cativantes mostram a jovem de asas de grifo e chifres de íbex (Isobelle Molloy), brincando com outras criaturas mágicas do reino de Moors. Mas existe um reino próximo, habitado por seres humanos. Tudo que em Moors é leveza e alegria, em plena natureza respeitada, no reino dos homens é pedra, fogo, soldados e um rei tirano.
Malévola é a guardiã de seu reino e pela primeira vez em sua vida encontra um ser humano, o menino Stefan (Michael Higgins), que veio para roubar. Ela faz com que ele devolva a pedra preciosa ao poço e, quando ele volta, é para se aproximar dela como um jovem atraente que encanta o puro coração da fada, que acredita no amor verdadeiro e se entrega.
Mas Stefan não tem amor, tem cobiça. E para tornar-se rei do reino dos homens, atraiçoa Malévola.
Esse é o centro emocional da história, que explica tudo que virá a acontecer depois.
Malévola, agora sem suas asas, tem Diaval (Sam Riley), o homem-corvo, olhos dela nas alturas que ela não pode mais visitar.
E, quando fica sabendo que nascera a filha do rei Stefan (Shalto Copley), Malévola vai se vingar.
Ela é uma personagem complexa que tanto ama quanto odeia, com todas as forças do seu ser. A maldição que lança sobre Aurora é cruel. Aos 16 anos, dormirá para sempre, a menos que um beijo de amor verdadeiro a desperte.
Aqui aparece a grande mudança que faz a história de Malévola ser mais contemporânea. Saimos da maldade da bruxa egoista e entramos em contato com uma mulher forte e protetora dos mais frágeis, mas com emoções ambíguas, que habitam seu coração ferido por seu amor recusado e traido. Sua magia é forte e, entretanto, ela se arrependerá de ter lançado a maldição sobre Aurora, menina alegre e encantadora.
O primeiro encontro das duas é comovente. Vivida pela filha mais moça de Angelina Jolie, Vivienne, de uns 3 anos, loirinha e angelical, a princesinha Aurora pede:
“- Colo, colo!”
E como  Angelina é bela e talentosa no papel que ela soube interpretar com nuances e humor. É dela, a tela.
Sedutora, com cornos de íbex (cabra do Himalaia) e asas de grifo (ave mitológica), caprina também no rosto marcante, onde as feições se tonam esculpidas a faca, seus olhos verdes cintilam com poder e aquela boca vermelha, feiticeira, tem trejeitos que só ela sabe fazer.
O amor verdadeiro libertará Aurora (Elle Fanning) e Malévola.
Final feliz e surpreendentemente novo.
Estou certa de que algumas mulheres da plateia vão secar uma lágrima inesperada e bem-vinda.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O Que os Homens Falam


“O Que os Homens Falam”- “Una Pistola em Cada Mano”, Espanha, 2012
Direção: Cesc Gay

A música que acompanha as primeiras imagens do filme lembra os faroestes italianos. Ironia, porque os homens de “Una Pistola en Cada Mano” estão longe do esterótipo do machão, à John Wayne.
Oito homens vão se encontrar e viver pequenas histórias que revelam, principalmente, fragilidades humanas.
O diretor catalão Cesc Gay, que também escreveu o roteiro, conta as histórias de maneira divertida mas não esconde os medos, ansiedades e decepções por que passam seus personagens.
Os dois primeiros esbarram por acaso. Não se vêem há muito tempo mas já foram amigos. Um deles (Leonardo Sbaraglia) sai de uma sessão de terapia e encontra o antigo amigo (Eduard Fernández) que procura um advogado para o seu divórcio. Há um clima de solidariedade e afeto entre eles e o que tem mais, vai ajudar o que tem menos.
Outro homem (Javier Cámara) leva o filho para passear mas só pensa em voltar para a mãe dele, apesar de ter sido ele quem se apaixonou por outra. Arrependido tarde demais?
No banco de um parque, o argentino Ricardo Darín é o homem que vigia um prédio de apartamentos onde desconfia que sua mulher o trai com o amante. O conhecido que passeia com o cachorro da ex (Luis Tosar), senta-se ao lado dele para ouvir seus lamentos.
E um conquistador egoista (Eduardo Noriega), não sabe o que o espera quando paquera sua colega de trabalho.
Maria (Leonor Watling) leva o marido de uma amiga (Alberto San Juan) em seu táxi, para uma festa onde todos vão se encontrar. No caminho eles conversam e ele fica sabendo das intimidades dela e seu marido.
A caminho da festa, Sara encontra por acaso um amigo (Jordi Mollà) e abre-se em confidências sobre o seu casamento.
Todos experimentam a dor de uma traição ou ainda vão conhecê-la.
Os amores do nosso tempo, com pequenas diferenças de casal para casal, sofrem as dificuldades do viver contemporâneo. “O Que os Homens Falam” trata disso com muito humor e inteligência.


domingo, 25 de maio de 2014

Uma Relação Delicada


“Uma Relação Delicada”- “Abus de Faiblesse”
Direção: Catherine Breillat

No meio da noite, ela acorda para um pesadelo. Metade de seu corpo morreu...
Mulher forte e cheia de vida, morando sózinha, ela se arrasta até o telefone e pede uma ambulância.
Muito depois, imóvel em sua cama de hospital, ela rememora:
“- Não me lembro de nada, nem do quarto de recuperação. Tive uma grande hemorragia cerebral mas não me lembro de quem me disse isso... Nada vai ser igual de novo.”
Maud (Isabelle Huppert), atriz e diretora de cinema, luta com todas as suas forças mas a recuperação é muito lenta e nunca será total.
Esforça-se para reaprender a rir, equilibrar-se, a fazer as coisas mais simples. O rosto semi-paralisado expressa sofrimento e determinação.
“- É o naufrafágio do Titanic...” diz ela para o amigo que volta de Cannes e espera que ela melhore.
Mas da cama ela passa para a cadeira de rodas e depois para a muleta e sapatos ortopédicos, que ela mesma disfarça, desenhando uma bota de roqueira.
E, numa noite em casa, lá está ele na TV. Ela liga para o amigo e comenta sobre o rapaz que está sendo entrevistado:
“- Ele é legal! Olha esse olhar!”
Na TV, um homem jovem, de cabelo curto e corpo forte, conta:
“- Eu roubei 135 milhões de dólares...Fraudei gente mais rica do que eu. Mas paguei minha dívida. Fiquei preso doze anos.”
Ela exclama:
“- Adoro! Ele não se arrepende! Eu quero ele no meu filme.”
Mas quando Vilko (Kool Shen) vem vê-la e, desenvolto, anda pelo apartamento e sobe nas estantes da biblioteca sem pedir licença, avaliando tudo com olhos de cobiça, um mau pressentimento atinge o espectador. Vai haver encrenca e sofrimento.
A diretora do filme, Catherine Breillat, viveu algo parecido com o que se vê na tela. Teve um AVC e se envolveu com um escroque, Christophe Rocancourt, que ela conseguiu levar aos tribunais. Ele foi condenado à prisão e teve que pagar a ela uma indenização de 578.000 euros, por abuso de fragilidade.
“- Era eu e não era eu”, diz a personagem do filme aos filhos, tentando explicar como se deixou explorar e arruinar, numa cena onde brilha o talento de Isabelle Huppert.
A fragilidade do corpo leva a uma fragilidade da mente? Esta parece ser a hipótese que explicaria o comportamento de Maud, antes uma mulher forte e decidida e, depois do AVC, entregue à sanha de um homem sem escrúpulos.
Ela sente culpa pelo que aconteceu a seu corpo e, inconscientemente, deixa-se castigar? Um masoquismo pode estar jogando o destino dela numa direção sombria.
Mas a diretora que escreveu o livro, que inspirou o filme, não explica a personagem tão parecida com ela e interpretada com devoção pela amiga Isabelle Huppert, uma atriz assustadora, que convence a plateia da verdade da sua Maud.
Um filme único, que fala da fragilidade insuspeita em todos nós.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sob a Pele


“Sob a Pele”- “Under the Skin” Reino Unido, 2013
Direção: Jonathan Glazer


Nossa pele nos cobre e nos veste. Debaixo dela somos todos semelhantes mas as aparências dadas pelos contornos e cor da pele, olhos e cabelos nos diferenciam.
O misterioso filme “Sob a Pele”, brinca com a idéia da pele como cobertura ou disfarce.
Um ser, vindo de uma estrela ou planeta longinquos, aparece por aqui, como uma luz intensa e se veste com uma pele humana, ou um simulacro dela e toma a forma de uma mulher bela e sedutora.
Scarlett Johansson, talentosa e única, parece ser uma linda mulher mas as aparências enganam. Ela é aquele ser que veio de um lugar distante.
Nas ruas e estradas da Escócia ela caça suas presas, homens solitários, enfeitiçados com a boca vermelha, os olhos claros, cabeleira escura e pele branca. O corpo escultural está semi-coberto por um casaco de pele barato.
Aquele furgão branco que ela dirige, pára muitas vêzes para recolher homens que vão segui-la para um lugar que será fatal para eles.
Mas por que ela faz isso? Não há nenhuma explicação. É uma predadora de homens que querem sexo com uma bela mulher anônima. Mas, também estranhamente, ela só aceita destruir solitários sem família.
Até que se depara com um homem que parece ter saido de um quadro de Francis Bacon. Com ele, ela começa a tocar e a se deixar ser tocada. E ele é o único que será poupado.
A partir daí, parece que ela fica seduzida pelo toque de uma outra pele. Experimenta sensações humanas pela primeira vez.
A bela, que não se sabe bela, olha-se no espelho e se admira com o que vê. Suas curvas atraentes, detalhadas pela câmara, são vistas e admiradas pelo ser que habita aquela pele.
E parece que vai querer experimentar também o que todos aqueles homens queriam e não tiveram.
E isso vai ser o seu fim.
O final faz lembrar das feiticeiras da Idade Média e seu triste destino.
Escuro, sombrio, intenso e curioso, o filme “Sob a Pele” atrai a atenção de quem gosta de mistérios. As lacunas terão que ser preenchidas pela imaginação de quem gosta de contar histórias.
As imagens belíssimas, o clima que vai sendo criado, a trilha sonora de Mica Levi que complementa o não dito, levam o espectador a ter vontade de conhecer o livro de Michel Faber no qual o filme se baseou.
Talvez para bucar respostas, que certamente não serão dadas. Afinal, quem possui o segredo do desejo?

domingo, 18 de maio de 2014

Praia do Futuro


“Praia do Futuro” Brasil, 2014
Direção: Karim Ainouz

Um clima viril, no visual e na sonoridade, abre “Praia do Futuro”, último filme de Karim Ainouz, 48 anos, que já assinou entre outros, "Abismo Prateado"2011, “Cinema, Aspirinas e Urubús”2005, do qual escreveu o roteiro, “Madame Satã”2002.
Guitarras gritantes combinam-se com o rumor de motos nas dunas, abafando qualquer outro som.
O mar azul, com ondas que rolam arrastando espuma branca, não diz nada a respeito do perigo traiçoeiro que alí reside.
Os motoqueiros tiram suas roupas pesadas e entregam-se à água que convida. Mas logo se debatem, presos à correnteza que puxa para o fundo.
Por mais que o salva-vidas procure e mergulhe, perdeu um homem para o mar.
“O Abraço do Afogado” é o título do primeiro capítulo desse filme, que aparece em amarelo na tela vermelha e que intriga, não responde a todas as nossas perguntas e incomoda.
Wagner Moura é Donato, o “Aquaman” para o irmão menor Ayrton, que o adora. O menino vê o mundo com olhos para super-herois. Ele tem medo de água e se acha o “Speed Racer”.
“- O que deu no cara para vir morrer na praia do Futuro?” pergunta Donato a si mesmo. É o primeiro que ele não consegue salvar.
E, quando dá a notícia para o amigo do motoqueiro afogado, percebe que os olhos do alemão são verdes como o mar.
“- A Praia do Futuro é muito perigosa” diz Donato acompanhando o outro nas buscas do corpo, sem sucesso.
E, sem lutar, Donato entrega-se ao amigo do morto, levado pelo desejo e pela dor do fracasso. Nos braços do alemão Konrad (Clemens Schick), o “Motoqueiro Fantasma”, ele tenta esquecer sua impotência perante a morte, quer refazer o heroi invencível que o irmão criara e fugir do desconforto que a vida causava nele.
Donato muda de cenário, abandona a família e vai refugiar-se em Berlim para poder ser quem ele descobriu que é.
Há uma única frase que dá a pista do que acontece com Donato. Ele se move por medo. E explica:
“- Tem dois tipos de medo. Um que finge que nada é perigoso e outro que sabe que tudo é perigoso nesse mar imenso.”
E, na segunda parte do filme, “Um Heroi Partido ao Meio”, em Berlim, cidade sem mar, cinzenta, subterrânea, ele dança de noite e trabalha num aquário gigantesco durante o dia. Solitário, deixa crescer barba e cabelo. Parece satisfeito, fechado em seu mundo.
“Um Fantasma que Fala Alemão” é a terceira e última parte do filme, dez anos depois que Donato partira de Fortaleza:
“- Sentiu a minha falta? Você esqueceu de mim? Foi?”, fala o irmão de Donato (maravilhoso Jesuíta Barbosa) em alemão, surgido do nada, se atracando com ele. Misturam-se os irmãos, entre socos, abraços e lembranças.
“Praia do Futuro” é um filme de belas imagens, fotografia que convida à contemplação, atores excelentes, poucos diálogos, ótima trilha sonora e nada de explicações psicológicas. Instiga o espectador a fazer esse trabalho, conduzido por gestos e olhares que estão na tela.
Aqui, é necessária uma leitura dos corpos e um abandono de preconceitos, para poder usufruir do que há de sincero e natural na vida dos personagens de “Praia do Futuro”, metáfora para o mundo perigoso em que habitamos.

sábado, 17 de maio de 2014

A Recompensa


“A Recompensa”- “Dom Hemingway”, Reino Unido, 2013
Direção: Richard Shepard

O palavrório inicial assusta os ouvidos mais delicados. Uma louvação machista e narcisista, em tom exagerado, apresenta o personagem central, Dom Hemingway, que está na cadeia há doze anos.
Jude Law, num papel bem diferente dos que costuma representar, é ame-o ou deixe-o. Grosseiro, desbocado, agressivo, irritante. Ele é tudo isso e um pouco mais.
“- Sempre tive problemas com a minha raiva, você sabe, Dickie. Tentei ioga, CDs, aulas na prisão, mas ela ainda está dentro de mim...” explica-se ele ao melhor amigo
(Richard E. Grant), depois de quase ter matado de pancada o cara que vivia com a mulher dele, já morta, assim que sai da prisão.
“- Perdi a infância de minha filha...” e olha o retrato dela.
Pronto, até as almas mais escandalizadas com ele, marcam um ponto a seu favor.
Mas, como exagera em tudo, num pub em Londres, tenta recuperar os doze anos perdidos em três noites de bebedeira, cocaína e mulheres.
Com Dickie no trem que os leva ao sul da França, onde Dom vai cobrar uma dívida, ele comenta a ressaca:
“- São cossacos sodomizando o meu crânio!”
E o tom desbocado e agressivo, principalmente quando bebe, continua, mesmo frente ao chefão russo (Demian Bichir), que pode matá-lo com um gesto.
Mas ele ficou calado por doze anos na prisão, não entregou ninguém e merece uma recompensa. Infelizmente vai durar pouco a alegria de Dom. Um acidente de carro, filmado de uma maneira original, vai ser a volta para trás da roda da fortuna.
Mas será que quem salva uma vida vai ser recompensado pela sorte no momento em que mais precisa dela?
O personagem de Jude Law tem uma reviravolta na vida e tem que escolher entre o afeto e o dinheiro.
Ele está ótimo na pele de Dom Hemingway, dirigido por Richard Shepard, que fez um filme com um visual atraente, trilha sonora bem escolhida e  vontade de divertir a plateia.

sábado, 10 de maio de 2014

O Passado


“O Passado”- “Le Passé”, França/Itália, 2013
Direção:Asghar Farhadi

Poucas vêzes nos damos conta de que não existe um passado único. Na realidade, os passados são vários. Pois que eles sempre se ocultam nas várias subjetividades que os viveram, cada um à sua maneira.
O filme do diretor e roteirista iraniano, Asghar Farhadi, começa de forma curiosa. No aeroporto, um vidro separa um homem e uma mulher. Olham-se com familiaridade e falam sem se ouvir. Ele perdeu a mala.
No carro, fugindo da chuva e molhados, ela dá uma ré muito rápida mas freia.
- O que você está fazendo? pergunta ele, assustado.
O letreiro com o nome do filme aparece em branco no vidro do carro, na frente deles, que tornou-se negro. O limpador de pára-brisa continua funcionando no escuro.
Já se anuncia assim, um passado obscuro que será o campo de tensões entre os personagens.
Ahmad (Ali Mosaffa), iraniano, vem para a França para assinar os papéis de seu divórcio com Marie (Bérénice Bejo), francesa. Não se veêm há quatro anos. Por que se separaram? Não sabemos ainda.
Marie mora na periferia de Paris numa casa simples, com suas duas filhas, Lucie, adolescente e a pequena Léa, de um casamento anterior. Ambas adoram Ahmad.
Na casa está morando também o garoto Fouad, filho de Samir (Tahar Rahim), atual companheiro de Marie.
Estranhamente, Marie não reservou hotel para Ahmad, que não tem outra saída, senão aceitar o convite para ficar na casa dela.
Aos poucos, vamos percebendo que Ahmad incomoda mais Marie do que se poderia supor. Existe algo não resolvido entre eles.
Ela engaja o ex em seus problemas atuais, pedindo que converse com Lucie, que está estranha, sumindo de casa e esquiva com a mãe.
Os dois homens, o ex e o atual, vão ter que dividir a mesma casa e isso vai ajudar na descoberta de segredos que trarão à tona situações mal compreendidas do passado.
O filme tem camadas como uma cebola, que vai sendo descascada  e vão aparecendo coisas. Como tudo na vida, nada é simplesmente o que parece ser.
Depois do sucesso de “A Separação” 2011, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, além do Globo de Ouro e o Urso de Ouro em Berlim, “O Passado” vem com o mesmo tipo de construção, envolvendo a plateia na descoberta do que foi que aconteceu com os personagens. O drama de um deles é o centro de tudo.
A atriz Bérénice Bejo ganhou o prêmio de melhor atriz no último festival de Cannes, apesar de não ter sido a primeira escolha do diretor que queria Marion Cotillard para o papel. Ela está perfeita na ambiguidade sofrida de Marie.
“O Passado”é um filme que prende a atenção da plateia enquanto estuda a natureza humana frente a mentiras, silêncios e ciúmes.
Muito interessante a reflexão sobre a influência do passado em nossas vidas presentes, quando há esse convite para vasculhar as coisas passadas.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Pelo Malo


“Pelo Malo”- Idem, Venezuela, 2013
Direção: Mariana Rondon

Quando nasce um bebê, nem sempre ele encontra uma mãe acolhedora. Depressão pós-parto, dificuldades com o marido, ausência dele, problemas de todo tipo podem acontecer e afastar a mãe do bebê.
É o que Marta (Samanta Castillo), que mora num conjunto habitacional muito pobre em Caracas, Venezuela, conta ao médico do posto de saúde onde leva o filho Júnior, de 9 anos, para ser examinado:
“- Doutor, sabe o meu filho Júnior? Ele tem uma cauda. Quero saber se é por isso que ele é gay”, diz a mãe, a sós com o médico, depois do exame do menino.
“- Foi ele que te disse isso?” pergunta o médico.
“- Não... Ele vai sofrer na vida, não é? Mas eu acho que é tudo culpa minha. Acho que ele é assim porque não consigo tocá-lo... Com o bebê é diferente. Brinco, toco nele. Mas com o Júnior nunca consegui. Não gosto de tocá-lo.”
“- Não há nada de errado com essa criança. Ele não tem cauda. Algumas pessoas tem ossos maiores do que as outras. Talvez falte a ele conviver com um homem e uma mulher e ver que eles são felizes...”, aconselha o médico.
Marta, uma mulher jovem, desempregada, ignorante, sem marido e com dois filhos para criar, observa o maior, Júnior, e se apavora porque acha que o menino tem trejeitos quando dança, que olha para os homens, que não gosta de brincar com os outros meninos. Para ela, ele é gay.
E, para piorar, Júnior (Samuel Lange Zambrano) tem obsessão em alisar o cabelo. De pele mais escura do que a mãe e do irmão bebê, fruto de outra relação da mãe, Júnior é um garoto de feições bonitas, grandes olhos, longos cílios, magrinho e tem cabelo ruim, ou seja, crespo e duro.
A avó negra, mãe do pai, é a única que sabe alisar o cabelo dele com uma escova e o secador. Mas ela cobra caro. Ele tem que aprender a dançar e a cantar como ela quer. É doloroso percebermos que a avó está de olho na criança porque acha que pode ganhar dinheiro com ele.
Propõe à mãe:
“- Eu fico com ele. Ele não vai mudar, você sabe. Pago o preço que você quiser.”
Marta, que não gosta da sogra, sempre tira o menino de lá. Mas dá para perceber, claramente, a irritação com que fala e olha para Júnior.
Doi no coração a cena em que o menino afaga o cabelo liso da mãe e diz para ela:
 “- Vou cuidar de você até você ficar bem velhinha.”
Ele arruma a mesa para a mãe, cuida do bebê, dá mamadeira mas fica claro o seu ciúme quando vê a mãe pegar o bebê no colo, dar o banho falando com carinho, enquanto deixa o pequeno brincar com seus seios nús.
O filme “Pelo Malo” é comovente. Fala de preconceito, pobreza, ignorância, homossexualidade, machismo mas principalmente de um problema de identidade. Aquele menino de 9 anos e que é diferente dos outros, explica para si mesmo que tem um horrível defeito: o cabelo ruim.
Certamente, a obsessão com o cabelo, encobre o desejo de ser aceito pela mãe. Ele pensa que, se ao menos pudesse corrigir esse defeito, ela gostaria mais dele.
“Pelo Malo” não é maniqueísta. Não há culpados nem inocentes. Ao assistí-lo compreendemos a mãe, na sua fúria de sobreviver e ter que cuidar de dois filhos, e Júnior, na sua teimosa intenção de se tornar mais bonito, ter cabelo liso e assim, finalmente ser amado.
“Pelo Malo” tem um discurso duro, lida com pessoas ignorantes mas promove empatia e reflexão.

sábado, 3 de maio de 2014

O Espetacular Homem-Aranha 2 : A Ameaça do Electro


“O Espetacular Homem-Aranha 2 : A Ameaça de Electro” – “The Amazing Spider-Man 2”, Estados Unidos, 2014
Direção: Marc Webb

O Homem-Aranha é o único superheroi que assume plenamente sua fragilidade de ser humano.  Ele tem medo e humor. E, por isso, conquista de cara a simpatia das plateias, em suas diferentes versões para o cinema.
Há quem prefira o primeiro filme de 2002, de Sami Raimi, que dirigiu a trilogia com o ator Tobey Maguire. A história que é contada é a de um garoto que, picado por uma aranha do laboratório do pai, sofre uma mutação. Criado pelos tios, porque seus pais cientistas tem que fugir, sofre “bullying” na escola e torna-se um adolescente com medo de viver, apesar de seus superpoderes. A identificação com todos os jovens do planeta Terra, que sofrem porque tem que crescer, é fácil e direta.
E a satisfação e o frio na barriga que sentimos com seus voos, faz lembrar montanhas-russas, bungee-jump e quedas livres, para quem já experimentou essas loucuras na vida real ou apenas sonhou com elas.
Agora, com Marc Webb (“500 Dias com Ela”) na direção, tudo continua o mesmo, mas mais movimentado e o nosso heroi mais seguro e mais apaixonado, vivendo mais conflitos internos. Mudaram os atores. E Andrew Garfield como Peter Parker, o Homem-Aranha e Emma Stone como a namorada dele, Gwen, nunca tiveram uma sintonia tão intensa.
O filme tem um prólogo que recorda o que aconteceu com o menininho que pensa que foi abandonado. Mas, antes da queda do avião que conduz seus pais, vemos um “down-load” ser completado com desespero. Uma confissão vai consolar Peter e ajudá-lo a aceitar a realidade da morte.
Sem perder a graça infantil, que faz dele um heroi amado, o Homem-Aranha vai ter que enfrentar não só inimigos como o carente e transtornado Electro (Jamie Foxx, excelente), o Rhino (Paul Giamatti) ou seu antigo colega de escola, Harry Osborn (Danny DeHaan), que se transforma em um sádico Duende Verde. Isso ele tira de letra. As cenas das lutas prendem na teia do Aranha também a plateia e não se vê ninguém olhando na telinha do celular ou passando mensagem no cinema.
O pior para Peter Parker, e para qualquer ser humano, é o enfrentamento das dores que sofremos para viver o amor.
Percebendo a necessidade que tem de Gwen, de sua presença amorosa e bela, de sua ajuda inteligente em momentos difíceis, Peter não quer que ela o abandone. Mesmo tendo prometido afastar-se dela, ao pai já morto de Gwen.
A tia May, vivida por Sally Field, está no lugar da mãe dele e recorda ao menino orfão o que é amar do fundo do coração.
Por causa de seus próprios sofrimentos, o Homem-Aranha compreende e ampara aqueles que estão desamparados em perigo. Ele é um heroi empático, que não procura glórias mas amor.
Essa história vai ter mais três filmes, o último em 2018.
E, atenção! A cena adicional não é do próximo filme do Homem-Aranha mas uma publicidade  de um filme da Fox, em troca da liberação do diretor Marc Webb para a Sony. Isso atrapalhou muita gente.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Getúlio


“Getúlio”, Brasil, 2013
Direção: João Jardim

Esse é um filme que fazia falta. No nosso país há fome de coisas assim, que nos mostrem com sobriedade os personagens centrais de nossa história.
Ele mesmo, Getúlio, na voz do ator magnífico que é Tony Ramos, introduz a história que será contada com um monólogo no qual se apresenta:
“- Eu fui um ditador. E não me arrependo.”
Getúlio Vargas (!882-1954), ditador de 1930 a 1945, voltou à presidência pelo voto do povo, em 1951.
Foi dele a criação do salário mínimo, das férias remuneradas, das leis de proteção ao trabalhador e a aprovação do controle do petróleo pelo Estado, a Petrobrás.
Era amado pelo povo e chamado “Pai dos Pobres”.
O filme centra-se nos últimos dias do seu governo, em agosto de1954, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro.
O clima, já conturbado, piora com as acusações de Carlos Lacerda (1914-1977), que usa a TV em seus inícios no Brasil, como plataforma para as denúncias de corrupção e falta de moral no governo.
O crime da rua Tonelero, como ficou conhecido, foi o nó górdio dessa trama. Todos os adversários se valem do episódio para atacar o presidente e seu chefe da guarda pessoal, Gregório Fortunato, apelidado de “anjo negro” por Lacerda.
Quem foi o mandante? Essa é a pergunta que atravessa todo o filme.
O estopim do trágico suicídio, tão falado e recordado vivamente por quem tem mais de 60 anos, foi o assassinato do major da Aeronáutica, Rubens Vaz. Ele conduzia o carro que levava Carlos Lacerda, o inimigo público número um de Getúlio, para casa, na rua Tonelero em Copacabana. Vinham de um comício da campanha de Lacerda para deputado federal.
Mas o “Corvo”, como era chamado Lacerda pelos que não gostavam dele, levou só um tiro no pé no atentado. E usou de uma oratória articulada e demagógica para derrubar um governo populista, que tinha ainda mais inimigos nas forças armadas do país.
É comovente a atuação de Tony Ramos, convincente como o homem que vê tudo desmoronar à sua volta e, no auge da pressão, decepcionado amargamente com familiares e aliados do seu governo, só se entrega morto, aos 72 anos, à sanha dos inimigos.
João Jardim, diretor, produtor e roteirista, soube conduzir o drama, que se passa num cenário de verdade, palco dos acontecimentos reais.
A fotografia de Walter Carvalho encontra tons e luzes condizentes com os personagens e seus sentimentos e a música de Frederico Jusid faz-se presente, em harmonia com o clima pesado, no Palácio de assoalhos de madeiras preciosas, afrescos nos tetos, quadros ilustres, lustres de cristal e escadarias, que trazem o espectador para a época e o lugar solene da tragédia.
Drica Moraes como a filha Alzira, devotada ao pai, Alexandre Borges como Lacerda e Thiago Justino como Gregório Fortunato, destacam-se num elenco impecável, vestidos a caráter.
A nota final fica com as cenas tiradas dos documentários da época que mostram um mar de gente acompanhando o corpo de Getúlio até o aeroporto, de onde seguiu para São Borja, sua morada final.
O ano de1954 esboçou o que só iria acontecer em 1964, dez anos depois, no governo do herdeiro de Getúlio, Jango Goulart, deposto por um golpe militar.
“Saio da vida para entrar na História”, escreveu Getúlio Vargas em sua carta-testamento, lida em seu enterro por João Goulart. Vá conhecer melhor esse político brasileiro assistindo a “Getúlio”, um filme excelente.