sábado, 30 de agosto de 2014

Violette

 
“Violette”- Idem, França 2013
Direção: Martin Provost

“- A feiura é um pecado mortal nas mulheres. Se você é bela, olham para você na rua por causa de sua beleza. Se você é feia, olham para você na rua por causa de sua feiura.”
Ditas em “off”, essas palavras apresentam Violette Leduc para o espectador. Ela se acha feia, ninguém a ama, não teve pai e sofreu com o amor que sentia por homens e mulheres, nas quais projetava uma mãe protetora, bela e poderosa, que nunca teve. A mãe que ela tinha recebia um misto de amor e ódio, era pobretona e pé no chão.
Violette não era nem um pouco feliz. Rosto crispado, põe no papel suas memórias tristes. E quando vê um livro de Simone de Beauvoir pergunta:
“- Mas quem é ela que escreve livros tão grossos?”
E põe-se a ler o tal livro. É “A Convidada”. Apaixona-se instantaneamente por aquela mulher. Descobre o café que ela frequenta e a olha escondida pelo espelhinho do pó de arroz.
Segue Simone e bate em sua porta:
“- Obrigada por ter escrito “A Convidada”. Coloquei toda a minha vida aqui”, diz passando o manuscrito para a outra, levemente espantada com essa aparição.
“- Agora estou ocupada. Mas prometo que vou ler”, e sorri.
É a segunda vez que Violette sobe aquelas escadas e bate na porta de Simone de Beauvoir, chic e distante. Da primeira vez deixara flores e fugira.
Simone vai ser a grande paixão platônica de Violette.
O manuscrito de “Asfixia”, primeiro livro dela, vai ser elogiado por Simone, que marca um encontro com ela.
“- Primeiro tenho que pedir desculpas. No outro dia pensei que você era uma burguesa cujas memórias de infância iriam me aborrecer. Me enganei. Você escreveu um belo livro. Poderoso. Intrépido. É isso que conta,”
E Simone (Sandrine Kiberlain) passa a ser a mentora de Violette (a ótima Emmanuelle Devos). Lê o que ela escreve, opina, apresenta seu livro a Albert Camus. Edições Gallimard publica “Asfixia”. Violette sonha com o sucesso que só iria conhecer com seu livro “A Bastarda”.
“Violette” de Marcel Provost é um filme que conta sobre essas duas mulheres que marcaram uma época e lutaram para que as outras pudessem ter mais direitos no mundo chauvinista da Europa no pós-guerra.
Simone de Beauvoir (1908-1986) viu em Violette Leduc (1907-1972) uma escritora corajosa, que falava com poesia e verdade sobre sua sexualidade. Coisas que até então eram censuradas.
A ponta do “continente negro”, como Freud chamara a sexualidade feminina, estava à vista.
Elas foram pioneiras. Fundaram o feminismo com seus livros, principalmente Simone, a mais conhecida. Formaram uma geração de mulheres mais dispostas a ocupar seu lugar no mundo, que foram mães das gerações atuais de mulheres que se destacam em lugares que só homens ocupavam até então.
Com elas e outras, que espocaram pelo mundo, a mulher pode se ver hoje num espelho sem distorção e abrir caminho para grandes conquistas.
O filme de Martin Provost conta a pré-história de nossa saga.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Chef


“Chef”- Idem, Estados Unidos, 2014
Direção: Jon Favreau

Se você tiver curiosidade de saber por que as pessoas estão falando do filme “Chef”, você vai, como eu, dar razão ao boca a boca.
Porque “Chef”, comédia americana dirigida, escrita e interpretada por Jon Favreau, sai do comum tanto dos filmes que falam de gastronomia e vinhos caros, quanto dos que misturam comida e romance.
“Chef” vai por outro caminho, porque fala sobre a necessidade do ser humano gostar do que faz.
Verdade que nem todo ser humano pode se dar esse luxo. Mas Carl Casper, o “chef” de um restaurante elegante de Los Angeles poderia, se não fosse o dono, interpretado por um Dustin Hoffman obsessivo, que acha que inovação não combina com ele. Quer tudo como sempre foi e será.
Mas o “chef” quer experimentar receitas novas, quer mudar o menú e surpreender os clientes. Quer exercitar sua criatividade e inventar.
Mas não pode. O dono do restaurante comanda a cozinha com mão de ferro e não quer saber de novidades. Tem medo de extravagâncias e ponto final.
O menú também é dele. Imexível.
Nem no dia em que o restaurante vai ser visitado por um crítico (Oliver Platt), que tem um blog famoso, o pobre Carl Casper não pode mudar nem uma salsinha do molho.
Triste, bravo, desiludido, só lhe resta preparar um delicioso espaguete para a moça que fica na recepção, que sabe apreciar o prato, degustando-o com um prazer quase erótico (Scarlett Johansson, numa ponta, sempre deliciosa).
Claro que a crítica sai péssima. E o “chef”, furioso e não acostumado com twitter e redes sociais, mete os pés pelas mãos e acaba brigando com o crítico e com o patrão. Despedido, ainda passa pela humilhação de um video onde todos o veem atacando e xingando o crítico.
Resultado, não consegue mostrar seus dons para ninguém. Só nós, espectadores, testemunhamos os pratos preparados com requinte e carinho na cozinha da casa do “chef”. De dar água na boca de todo mundo. Um dos sucessos do filme.
Tudo muda quando a ex do “chef”, Inês (Sofia Vergara), mãe do filho carente de pai dos dois, Percy (Emjay Anthony), tem a ideia de fazer o ex sem emprego retornar às origens em Miami, sob o pretexto de tomar conta do filho.
Claro que tudo dá certo, com uma ajudazinha de Robert Downey Jr. E passamos a saborear com os olhos os sanduiches cubanos que saem das mãos criativas do “chef”.
Embalados por música latina ótima, acompanhamos o trailer, de onde saem delícias que fazem o maior sucesso, num alto astral, que aproxima pai e filho, num road-movie que parte de Miami e passa por Nova Orleans e Texas, até a California.
É um filme muito gostoso de assistir, se você não for muito exigente, não estiver fazendo regime e entrar no clima.
 

A Pedra de Paciência



“A Pedra de Paciência”- “Syngué Sabour” Afeganistão, França, Alemanha, Reino Unido, 2012
Direção: Atiq Rahimi

Conta uma velha lenda afegã que, se alguém encontrar uma pedra mágica e, se esse alguém contar para ela todos os seus sofrimentos e segredos, a pedra vai escutar. E, um dia, arrebentará. Vai desfazer-se em pedacinhos. E, nesse dia, quem a encontrou e falou com a pedra, vai se libertar de todas as suas dores.
Presa da guerra na qual seu marido foi ferido com uma bala na nuca e, desde então dependente dela, já que seu estado é vegetativo, aquela jovem e bela mulher está sempre a seu lado, na casa humilde, igual às outras, num quarteirão da cidade semi-destruída.
No Afeganistão (imagina o espectador, já que o lugar não é nunca nomeado), agora são as milícias armadas de metralhadoras, tanques e bombas que amedrontam a população, que foge de suas casas.
Ela não pode sair de perto dele. Mas leva suas duas filhas para a casa da tia, que virou prostituta, depois de ser repudiada pelo marido por ser estéril.
A sobrinha e a tia são mulheres que não tem voz, num lugar onde mandam os homens, que tem direitos até sobre a vida delas. Casam-se muito jovens, com homens mais velhos, escolhidos por seus pais e vão morar na casa dos pais dele. Se não conseguirem ter filhos, seus maridos pegam uma segunda mulher e elas são abandonadas ou servem como criadas na casa da sogra.
Vamos ser as únicas testemunhas do longo monólogo que a mulher sem nome vai entoar, dirigindo-se ao marido que está de olhos fechados. Sua respiração é o seu único sinal vital.
Quando ela sai, coloca a burca amarela e esgueira-se entre os escombros para comprar soro e colírio para o marido ou visitar as filhas na casa da tia.
A jovem tem um belo rosto, olhos tristes e uma boca que nunca sorri.
A bela e talentosa Golshifteh Farahani, a mais famosa atriz iraniana, de 31 anos, vive fora de seu país, onde moram seus pais e para onde pensa nunca mais voltar. Ela mora em Paris, por quatro anos já no exílio e filma nos Estados Unidos e na Europa. Ganhou fama com o filme do premiado diretor iraniano de “Separação”, de 2009, “Procurando Elly”.
Em “A Pedra de Paciência” ela faz essa mulher que, cansada de rezar pela recuperação do marido inconsciente, como manda o mulá, inicia uma conversa com ele, onde fala de seus sofrimentos com a brutalidade dele e de seus segredos mais íntimos. Abre sua alma e seu corpo. Ele vira a pedra de paciência dela.
O filme é baseado no romance que o diretor afegão Atiq Rahimi, de 52 anos, escreveu. Ele nasceu em Cabul mas vive há tempo em Paris e ganhou o Goncourt, o mais famoso prêmio de literatura da França, em 2008, por “A Pedra de Paciência”.
O roteiro do filme foi escrito por Rahimi em parceria com Jean-Claude Carrière, 82 anos, que foi colaborador de Luis Bunuel.
“A Pedra de Paciência” é um filme que marca   por causa de sua tristeza e beleza comoventes. 

domingo, 24 de agosto de 2014

Não Pare na Pista - A melhor história de Paulo Coelho


“Não Pare na Pista – A melhor história de Paulo Coelho” Brasil, Espanha, 2014
Direção: Daniel Augusto

As primeiras cenas do filme sobre a vida dele, “O Mago” (título da biografia escrita por Fernando Morais), já o mostram na pele do jovem ator Ravel Andrade e na do irmão , Julio Andrade, como adulto. Ambos em cenas de hospital. O jovem tentou o suicídio inalando gás do forno. O adulto passa por um procedimento cirúrgico no coração.
E logo aparece também Raul Seixas (Lucci Ferreira) cantando com o parceiro a música que dá título ao filme.
E tudo começa no Rio de Janeiro, nos anos 60. O jovem e seus pais, sentados à espera do médico. Quando ele é chamado, o pai diz:
“- Ele vai sózinho.”
Bem, já deu para sentir que a vida do rapazinho não é fácil. Ele vai enfrentar um psiquiatra que lê o seu diário e logo faz perguntas sobre a sua sexualidade:
“- Mas é verdade, Paulo, que você nunca teve namorada?”
“- Porque eu sou feio.”
“- Por isso você tentou se matar? Ô Paulo, você já teve desejo de beijar um homem?... Mas nós vamos dar um jeito nisso...
(Interrompendo) “– Eu quero ser escritor! Nunca quis ser outra coisa.”
“- Mas é muito bom, Paulo. E uma profissão? Você já escolheu?”
“- Eu quero ser escritor.”
“- E você acha que alguém vai ler essas coisas que você escreve sobre você?”
“- Acabou? Meus pais estão me esperando.”
Mas mal sabia ele que a internação na clínica psiquiátrica já estava decidida. E não seria a última.
O filme pula para 2013 e ele quer sair do hospital em Genebra. Vai acontecer a festa dos 25 anos da primeira edição do “O Alquimista”, na Europa.
O rebelde, que ele sempre foi, diz para sua mulher Cris, que tenta convencê-lo a esperar a alta do médico:
“- Não tenho todo esse tempo a perder.”
O retrato está feito. Desde cedo, Paulo Coelho não se entende com a autoridade que quer comandá-lo. Foi assim com o pai conservador (o ótimo Enrique Diaz), com os psiquiatras, com a ditadura militar, com a escolha de viver na contra-mão da sociedade burguesa, cabeludo e barbudo, bebendo muito, drogando-se, escrevendo sobre discos voadores, mexendo com magia negra, nas músicas em parceria com o "maluco beleza”, Raul Seixas, que vai decepcioná-lo amargamente e, apesar de se achar feio, transando com todas as mulheres que encontrou (representadas no filme pela bela Paz Vega).
Paulo Coelho, o escritor mais traduzido no mundo inteiro, parece que conseguiu o que queria. Mas há qualquer coisa amarga nessa vitória. Quase todo mundo já leu um livro dele mas os que contam, dizem que não gostaram. Há um preconceito contra ele por parte da maioria dos intelectuais brasileiros
Apesar do reconhecimento comercial, do sucesso de vendas e o topo da lista de “best-sellers”, o garoto ainda não conseguiu ser amado do jeito que queria.
Cris Oiticica (Fabiana Gugli), sua mulher há 30 anos, parece ser seu anjo da guarda, substituta da mãe (Fabiula Nascimento) carinhosa mas submissa ao pai rígido.
E o filme, com roteiro de Carolina Kotscho (de “2 Filhos de Francisco”) e dirigido com talento por Daniel Augusto (documentarista de “Amazonia Desconhecida”), é muito bom, passando bem para o espectador essa vida interessante, sofrida, angustiada e sem o reconhecimento pleno que ele tanto buscou.
Mas a vida não é mesmo assim? Principalmente para quem quer demais dela?



sábado, 23 de agosto de 2014

Um Belo Domingo


“Um Belo Domingo”- “Un Beau Dimanche” França, 2013
Direção: Nicole Garcia

O que são aquelas pessoas dormindo no chão, ao lado de cachorros? Quando chega a polícia, são arrastados para fora. Sem teto? Invasores?
Mas, quando a cena seguinte do sétimo longa da diretora francesa Nicole Garcia mostra uma escola, a pergunta fica no ar e nos esquecemos da cena inicial, para só nos lembrarmos dela quase no fim do filme.
E já nos concentramos na história do professor Baptiste (Pierre Rochefort, filho da diretora, em seu primeiro papel no cinema), que tem um lugar de professor temporário naquela escola e não aceita o convite para ser efetivado. Por que ele foge de um lugar fixo? Estranha recusa...
Mas então aparece Mathias (Mathias Brezot) que o pai esqueceu de buscar no colégio e aceita a carona do professor.
O pai de Mathias (Olivier Loustaut), rico e entretido com a namorada e a viagem para Monte Carlo no fim de semana, esqueceu de pegar o filho. Parece dividido entre a moça zangada e o menino que o olha com velada censura. Até que o professor vem em sua ajuda:
“- Posso ficar com Mathias”, diz Baptiste.
“- Mas você não tem família, namorada? Bom, vou te dar 30 Euros, então.”
“- Não precisa.”
“- Acho que já nos conhecemos” responde o pai.
“- Você me deu uma carona. Eu vinha de uma conferência...”
“- Astrofísica, não é mesmo?”
Mas já vai atrás do filho para explicar a situação.
E lá vão os dois de novo na lambreta do professor.
Ele instala Mathias no sofá do pequeno apartamento.
“- Podemos ir à praia amanhã?”
“- Não sou seu chofer.”
E Baptiste recebe o baseado que seu fornecedor vem entregar, disfarçando que é um DVD. Vai para o quarto e antes, manda o menino dormir.
Dia seguinte, os dois na lambreta, rumo à praia.
Mathias escolhe um lugar mais longe para o banho de mar. E lá encontram a mãe dele, a bela Sandra (Louise Bourgon), que trabalha num restaurante na praia e parece ter uma ligação com o dono, um sujeito mais velho, com uma corrente de ouro no pescoço.
A partir daí, esses três destinos se cruzam de maneira irremediável.
Baptiste vai ter que encarar o seu passado misterioso para poder ajudar Sandra, metida com agiotas perigosos. E Mathias vai conseguir a atenção da mãe e o seu carinho. Não foi à toa que escolheu a praia onde a mãe trabalha como destino do seu passeio com o professor.
E o belo domingo?
Vamos viajar com esses personagens até os Pirineus, na região da França próxima à Espanha, onde numa mansão senhorial, rodeada de bosques, rio, jardins, piscina, quadras de tênis, Baptiste vai reencontrar sua família,  que não vê há muito tempo, num almoço de domingo.
Essa é a ocasião para o espectador que conhece e o que não conhece, admirar a atuação da matriarca desse clã aristocrata, a lendária Dominique Sanda, 66 anos, que atuou em grandes filmes de Bertolucci (“1900”1976, “O Conformista”1970), Vittorio De Sica (“O Jardim dos Finzi-Contini”1970) e Visconti (“Violência e Paixão”1974).
A escolha desse mito do cinema, é outro acerto da diretora e roteirista de “Um Belo Domingo” que tem 68 anos, nasceu na Argélia e foi atriz do célebre filme do diretor Alain Resnais, “Meu Tio da América”1980.
Este sétimo longa dela traz à tona temas como a solidão, a loucura, a paternidade e a maternidade, dinheiro e classe social e escolhas de vida.
É, no mínimo, um filme interessante.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Meteora


“Meteora”- Idem, Alemanha, França e Grécia, 2012
Direção: Spiros Stathoulopoulos

Numa paisagem majestosa (Kalambaka, Grécia), onde tronam dois blocos de pedras colossais, o silêncio é rompido apenas pelo canto de pássaros, o sino das cabras e o vento.
Como se fossem enormes colunas, tais pedras sustentam em seu cume, um monastério de padres ortodoxos e noutra, um convento de freiras. Face a face.
Estamos fora do tempo em “Meteora”.
Mas o isolamento em que vivem essas pessoas religiosas é quebrado por acaso. A freira Urania (Tamila Koulieva) espera o saco que vai içá-la para cima e encontra o padre Theodorus (Theo Alexander), jovem e bonito.
Nada falam mas algo se passa entre eles.
O primitivo e natural desejo assoma à superfície daqueles seres que se vestem de negro, mantém os olhos baixos e falam somente com Deus através da oração.
Quando ele retorna ao monastério pela longa escadaria, leva ela no coração e na mente.
E o encantador em “Meteora” é que o que se passa entre eles, e o caminho de cada um para o alto, é reproduzido em desenhos que parecem ícones de igreja ortodoxa. Surpresos, vemos figurinhas diminutas se mexerem entre os mosaicos dourados.
À luz de velas, cada um em sua igreja, venera os mesmos ícones que, para nós, ganham vida e recontam o encontro.
Theodorus, estático aos pés do precipício pergunta:
“- Vós testais a humanidade o tempo todo?”
E logo uma luz, brilhante como um raio de sol, dança na parede do quarto de Urania. Bem que ela se penitencia, queimando a mão na vela para afastar pensamentos proibidos mas sua carne palpita.
E ela, em desenho, vê o chão se abrir e aparecer o inferno.
Ele também tem visões de um mar de sangue que jorra, por sua culpa, mas a vontade de vê-la é maior e então ele usa um ícone espelhado para chamá-la em seu quarto.
Um piquenique, cozinhado por ele, é a ocasião para a paixão aflorar. O vinho atiça o desejo.
“O desespero é o único pecado sem perdão”, descobrem os dois numa história de um santo antigo e riem dos sons das palavras “desespero” e “liberdade” em grego e russo.
Como para todos os amantes, antes e depois deles, o riso é o sinal da excitação que os invade.
Estão felizes juntos e isso vai ser mais forte que a proibição e a austeridade.
Spiros Stathoulopolos dirigiu, roteirizou e fotografou um filme raro, com um ritmo lento como os dias das pedras e tocante como as batidas fortes de dois corações.

sábado, 16 de agosto de 2014

Amantes Eternos



“Amantes Eternos”- “Only Lovers Left Alive” Reino Unido, Alemanha, Chipre 2013
Direção: Jim Jarmush

Um amor de séculos une aqueles dois pálidos seres da noite.
Eve (Tilda Swinton), num djelabah negro e dourado, cabelos louros opacos e longos, magra, rosto sem idade, descansa imóvel ao pé de seu leito de dossel, coberto de renda. Adam (Tom Hiddleston), jeito de rock star, está deitado num sofá de veludo grená, abraçado a um alaúde, dorso nú, olhos fechados.
Estão distantes mas muito perto um do outro.
Assim que se faz noite, ela, de rosto velado, anda por uma cidade muçulmana antiga, de ruelas e escadas, que descobrimos ser Tanger, no Marrocos e entra num bar chamado “Mille et Une Nuits”.
É recebida por Bilal que diz:
“- Eve! Como está você? O mestre está frágil mas mostra espírito forte.”
Logo, chega um velho (John Hurt), de olhos embaçados, com um saco de farmácia que dá a ela, que exclama com carinho:
“- Marlowe!”
Ele vem a ser Christopher Marlowe, dramaturgo do século XVI, que confirma o que muitos acreditam: foi ele que escreveu as peças creditadas a Shakespeare. É o mestre de Eve, interessada por literatura de todas as épocas e línguas e seu fornecedor.
Adam, compositor incógnito, vive num apartamento repleto de fios, aparelhos de gravação e compra instrumentos musicais de cordas do século passado.
“- Ah! Preciso de uma bala de madeira calibre 38.”
“- Mas para quê?”
“- Um projeto artístico...”, responde, disfarçando seus impulsos suicidas.
E em seguida sai. Dirige o carro por uma Detroit escura e abandonada e entra no único prédio iluminado. Está de óculos escuros, estetoscópio ao redor do pescoço e veste um avental branco, onde se lê no crachá “Dr Faustus” e leva uma maleta.
Um homem o espera no banco de sangue. Tubos de alumínio passam para a maleta e um maço de notas muda de mão.
Vemos os três, cada um no seu lugar, frente a um cálice de cristal onde brilha um líquido vermelho escuro. Quando o sorvem, caem imediatamente em transe, entreabrindo bocas com caninos ponteagudos e avermelhados pelo sangue ingerido.
São vampiros intelectuais, sofisticados e elegantes.
Quando os amantes se falam e se veem pelo Iphone de Eve e a tela da TV de Adam, estão acordando do torpor duplo e ela, percebendo ele deprimido, promete ir a seu encontro:
“- Já passamos por isso...Você sentia falta da Idade Média, da Inquisição, das enchentes, da peste...Como vai a sua música? Me lembro quando você deu aquela sonata para Schubert...”
Adam e Eve são seculares, viveram tudo, conheceram os gênios, os sábios, os cientistas mas parecem saudosos de tudo isso. Não acham graça no mundo contemporâneo dos “zumbis”, como chamam os homens.
Jim Jarmush, 61 anos,o famoso diretor americano, se esbalda fazendo os diálogos dos dois vampiros rememorarem coisas que vão passar desapercebidas, a não ser para poucos e raros espectadores. Mas esses vão sorrir. E reconhecer tanto as alusões como os retratos na parede de Adam.
Quando chega de Los Angeles a vampira-periguete Ava (Mia Wasikowska), jovem e desmiolada, ouvimos sua irmã Eve avisá-la sobre o perigo do sangue contaminado.
“- Eles não mudam...Só percebem quando é tarde demais...” diz Adam.
Os vampiros de Jim Jarmush são seres desiludidos, nostálgicos e cansados. “Amantes Eternos” é um belo filme para pessoas que se sintam como eles. Os demais vão se aborrecer.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Apenas Uma Chance


“Apenas Uma Chance”- “One Chance” Estados Unidos, Inglaterra, 2013
Direção: David Frankel

É incrível a quantidade de transtornos que o tenor galês Paul Potts teve que enfrentar para que ele, enfim, aos 43 anos, pudesse realizar o sonho de sua vida.
O filme, que é baseado em fatos reais, começa em 1985, em Port Talbot, no País de Gales, na Inglaterra, com o ator James Corden, que faz Potts, dizendo em “off”:
“ - Desde que me lembro por gente, eu queria cantar. Cantar de verdade. Eu nasci com o que o mestre do coro chamava de “uma grande voz”. Uma voz que nasceu para cantar ópera.”
O menino gorducho, de olhos azuis no rosto redondo, pacífico por natureza, sofreu muito “bullying” na escola. Porque ele cantava o tempo todo.
“- E quanto mais eu cantava, mais eu sofria na mão dos meninos da escola. Quanto mais eu sofria apanhando, mais eu cantava.” E ele resume:
“- Foi um interminável drama, onde havia música e violência, romance e comédia. Como uma ópera. A ópera da minha vida.”
O filme “Apenas Uma Chance”, é dirigido por David Frankel (“O Diabo Veste Prada”2006 e “Marley e Eu”2008), que encontrou o tom emocional exato para contar uma história que emociona, sem cair na pieguice.
Em casa, a vida também não era fácil para Paul. O pai (Colm Meany) não via com bons olhos sua mania de ópera, nem sua gordura. Implicava com ele o tempo todo, dando a impressão de que não o considerava “macho” o suficiente para ser seu filho. Enquanto que a mãe, superprotetora, comungava com Paul a adoração pelas árias de Pavarotti e a certeza de que ele seria um dia, um grande tenor.
E, quando Paul começa a namorar Julz (a ótima Alexandra Roach, também gordinha de olhos azuis), encontra mais uma aliada para torcer por ele e ajudá-lo a realizar seu sonho.
O caminho foi longo e cheio de contratempos, alguns até mesmo trágicos, desde um apêndice que teve que ser operado às pressas na véspera de sua estreia na “Aida”, até um tumor na tireóide e um atropelamento que o deixou estropiado por mais de um ano.
Sem contar a decepção em sua passagem pela bela Veneza, quando não conseguiu cantar, de puro nervosismo, na frente de seu ídolo Pavarotti.
Ele não tinha nada a seu favor, a não ser sua voz e a confiança das mulheres de sua vida, mas ganhou o concurso da TV “Britain’s Got Talent”em 2007.
O filme é bem conduzido, os atores são ótimos e os acontecimentos levam os espectadores sensíveis muitas vêzes às lágrimas, identificados com os sofrimentos e o final feliz emocionante de Paul Potts.
Alíás é ele mesmo que dubla todas as árias que o ator James Corden finge cantar. Um presente para quem gosta de ópera.
Entretenimento gostoso, divertido, com momentos de verdadeira emoção, “Apenas Uma Chance” passa uma bela lição de persistência e apego a um sonho de uma vida toda. 

sábado, 9 de agosto de 2014

Como na Canção dos Beatles


“Como na Canção dos Beatles”- “Norwegian Wood”- “Noruwei no Mori” Japão, 2010
Direção: Tran Anh Hung

Melancolia e beleza delicada são traços presentes na cultura japonesa. Como coadjuvantes, a culpa e a vergonha engendram dramas onde a morte é a única solução. Nesse enredo, amores são impossíveis.
O franco-vietnamita Tran Ahn Hung fez um filme belo e triste que alguns vão achar que é muito lento. É preciso paciência para apreciar “Como na Canção dos Beatles”.
E é bom lembrar que esse cineasta de 54 anos concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1993, com seu primeiro longa, “O Cheiro de Papaia Verde”.
Por mais que nos queiramos distanciar da trama desse filme de 2010, ela nos arrasta, junto aos personagens. A música de violinos que choram e as paisagens bucólicas de uma natureza impassível perante o sofrimento humano, ajudam a pintar o quadro poético de um melodrama.
É 1967 num Japão onde estudantes saem às ruas para protestar contra a guerra do Vietnam. Mas Toru Watanabe (Kenichi Matsuyama) tem 20 anos e não se interessa por política e passeatas. Gosta de garotas. Só que quando chega o amor, o roteiro é pesado.
Watanabe ama Naoko (Rinko Kikuchi) mas um terrível acontecimento os separa. Tentam ficar juntos, Naoko perde a virgindade no seu vigésimo aniversário mas o segredo do passado paralisa os dois jovens amantes.
Eles habitam um exílio da vida e há um namoro com a morte, seduzidos pelo suicídio de Kisuki (Kengo Kora), ex namorado de Naoko e amigo de Watanabe.
É quase como se os dois contemplassem o abismo e se deixassem cair, lentamente, levados pela vertigem da melancolia.
Seja verão e as colinas estejam verdes, seja inverno e a neve os abrigue como um cobertor macio, eles tentam fugir do fantasma do amigo, torturados.
Naoko afunda na loucura enquanto Watanabe tenta libertar-se do apelo da morte.
Quando aparece Midori (Kiko Mizuhara) em sua vida, Watanabe sente-se atraído por ela, mais leve e coquete, mas ela também tem dores ocultas e um namorado.
O filme é uma adaptação do primeiro livro do famoso escritor japonês Haruki Murakami, de 1987, que dizem ser auto-biográfico.
A fotografia do filme, de Ping Bin Lee que fez “Amor à Flor da Pele” de Wong Kar-wai, é deslumbrante em cores frias. E a música de Jonny Greenwood faz o clima adensar-se mais e mais, até ficar sufocante.
A triste canção do título toca no final desse filme que tem uma poesia e beleza geladas e nos recordamos também de nossas dores de amores. Afinal quem as desconhece?
“Quando eu acordei, estava sózinho
O pássaro tinha voado.” (“Norwegian Wood” de Lennon-McCartney 1965)

O Melhor Lance


“O Melhor Lance”- “La Migliore Offerta” Itália, 2013
Direção: Giuseppe Tornatore

Ternos bem cortados, cabelo pintado, sempre de luvas negras no pódio da casa de leilões onde pontifica, Virgil Oldman (Geoffrey Rush de “O Discurso do Rei”) é arrogante, introvertido, odeia celulares e não tem amigos de verdade. Mas é sempre chamado para fazer avaliações de objetos, móveis e quadros preciosos. Sua opinião é considerada indiscutível. E ele só pensa em trabalho.
Em seu aniversário, janta sózinho e dispensa o bolo que o “chef” do grande restaurante traz em pessoa para ele:
“- Sou muito supersticioso. Meu aniversário é só daqui há 22 minutos. Faça de conta que aceitei.”
E deixa o bolo com vela intocado.
Virgil vive só, entre sedas, cristais e objetos de arte magníficos.
E tem um segredo. Atrás do armário de luvas, existe um quarto secreto onde sua coleção de retratos de mulheres, pintados por grandes mestres, espalha-se pelas paredes altíssimas. Uma única cadeira para um único apreciador de mulheres que ele nunca conheceu. Um esplendor guardado a sete chaves.
Quem o vê atuando nos leilões, não acreditaria no golpe de falsificações que ele maquina com o pintor copista Billy (Donald Sutherland), que o ajuda a aumentar sua coleção de mulheres por gênios da pintura a preços módicos.
Mas, a vida de Virgil Oldman vai virar de cabeça para baixo, quando é chamado para avaliar os pertences de uma família que tem uma única herdeira.
A vila é antiga, enorme e abriga milhares de peças jogadas pelos cantos, empoeiradas no chão, esquecidas.
Acontece que a jovem Claire Ibbteson (Sylvia Hoeks, bela atriz holandesa), a herdeira em questão, tem também um quarto secreto, onde se esconde do mundo. Traumatizada e fóbica, vai se tornar a obsessão do velho leiloeiro.
A história que Virgil e Claire vão viver terá um final surpreendente. Na cena derradeira, o olhar de Geoffrey Rush fica impresso na memória do espectador.
Giuseppe Tornatore, 58 anos, o cineasta de “Cinema Paradiso” 1988 e tantos outros filmes inesquecíveis, dirige e é o autor do roteiro de “O Melhor Lance”. Se este não é seu melhor filme, é certamente superior ao que se pode assistir hoje no cinema. E é a primeira vez que Tornatore filma uma história de suspense, saída de sua imaginação, num ambiente sofisticado, que joga com o tema da falsificação, seja na arte como na vida. No nosso ouvido fica soando a frase: “Há sempre algo de autêntico na falsificação”.
Com a música imbatível do maestro Ennio Morricone, 86 anos, “O Melhor Lance” ganhou quatro Davids Di Donatello, o Oscar italiano, inclusive  de melhor filme.
E somos brindados, além de tudo, com a visão de quadros que estão em museus, obras primas da arte do retrato feminino, de Goya a Picasso.
Um deleite.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Viva a Liberdade


“Viva a Liberdade”- “Viva La Libertà”, Itália, 2013
Direção: Roberto Andò

Nas antigas fábulas, encontramos histórias de pessoas que trocam de identidade, como aquela chamada  “O Príncipe e o Mendigo”, que virou romance de Mark Twain (1835-1910).
No filme “Viva a Liberdade”, dirigido por Roberto Andò e baseado em seu livro “O Trono Vazio”, a história envolve esse mesmo tema mas aqui são irmãos gêmeos que trocam de lugar e identidade. Um é político famoso, o outro, filósofo, diagnosticado como psicótico.
Quando o secretário do partido de esquerda de oposição ao governo italiano, o senador Enrico Olivieri, vê-se no último lugar das pesquisas sobre os candidatos à próxima eleição para a presidência do país, ele entra em crise.
Deprimido, não consegue enxergar uma saída dessa situação humilhante. Além do público, o partido está claramente insatisfeito com o seu desempenho.
O que fazer? Ele foge para Paris, incógnito e vai passar uns tempos na casa de uma amiga da juventude, Danielle (Valeria Bruni Tedeschi), casada com um cineasta vietnamita.
Seu assessor, Andrea (Valerio Mastrandia), da noite para o dia, vê-se às voltas com esse problemão.
O que fazer? Ele então tem uma ideia que parece brilhante. Acontece que o senador Enrico tem um irmão gêmeo, Giovanni, filósofo, culto mas que acaba de sair de um hospital psiquiátrico.
Apresentado à ideia de trocar de lugar com o irmão, está pronto a colaborar. Em silêncio, porém, acrescenta o assessor. E, em total segredo.
Por um descuido do assessor, a imprensa, que tinha sido notificada da licença que o senador pedira, fica sabendo que ele está de volta e muito mudado.
Em uma entrevista exclusiva, o repórter pergunta:
“- Senador, o senhor está diferente. Seus cabelos estão grisalhos...”
“- Isso mesmo. Não pinto mais. E isso é um conselho aos italianos. Parem de se enganar. Se os políticos são medíocres, é porque os eleitores são também medíocres. Se são ladrões, é porque seus eleitores são também ladrões. Há sempre um momento na vida de um poderoso onde ele pode ser crucificado. O medo é a música da democracia!”
Entre feliz e amedrontado com o que ouvira, anota tudo e comenta com o assessor, que deixara Giovanni sózinho no restaurante e agora volta, apavorado com o que ouve:
“- Parece outro...Essa entrevista vai ser uma bomba!”
Anna (Michela Cescon), a mulher do senador Enrico, se assusta com a ideia do assessor:
“- Mas você está colocando o partido nas mãos de um louco!”
E claro que tudo muda. O “louco”, citando poetas e filósofos e com um discurso que soa sincero e corajoso aos ouvidos de um público ávido por uma liderança otimista, é ovacionado por onde passa.
Toni Servillo faz os dois papéis com todo o talento e humor que o roteiro pede.
É a melhor coisa do filme. Ele cria uma postura e um rosto diferente para cada um dos irmãos e, com tal maestria, que sempre podemos dizer quando é um e quando é o outro que está na tela.
O filme é divertido e atual mas o ator é genial.