sexta-feira, 29 de abril de 2016

O Caçador e a Rainha do Gelo


“O Caçador e a Rainha do Gelo”- “The Huntsman: Winter’s War”, Estados Unidos, 2016
Direção: Cedric Nicolas-Troyan

Existe um sentimento irremediável entre irmãos e irmãs, desde Caim e Abel. Inveja e ciúmes existem porque o outro, ou a outra, tem o que eu não tenho e quero então destruir.
No caso desse filme, a ambiciosa e pérfida Ravenna (Charlize Theron) e a atraiçoada e simplória Freya (Emily Blunt) são rainhas irmãs. E tudo começa com Ravenna, loura, intensa e má, jogando uma partida fatal com o rei e ganhando seu reino. Mas, ela quer mais.
Mortalmente invejosa da gravidez de Freya, não menos bela mas morena, delicada e ingênua, diz que seu amante vai abandoná-la, bem como sua filha ainda não nascida, já que ele é um homem casado. Prometeu deixar tudo por ela, mas isso não passa de uma mentira, envenena Ravenna.
O fato é que a bebê some do berço. Foi o pai? Foi coisa de Ravenna? O roteiro, que não é brilhante, passa por cima desse momento.Ou pode ser de propósito.Teríamos visto fagulhas no quarto da bebê?
Freya, coração partido, acredita na história de Ravenna que acusa o pai, acrescentando que o amor é uma ilusão perigosa. E Freya desenvolve então um poder estranho. De sua boca nasce uma onda gélida que transforma tudo em gelo. Ela se retira para as terras do norte e cria um exército de crianças roubadas de seus pais, que se tornam soldados bem treinados, os Caçadores.
Daí esse filme ser um prólogo ao outro de 2012 “Branca de Neve e o Caçador”. Entendemos a origem de Eric (Chris Hemsworth).
No exército de Freya destacam-se então Eric e Sarah (a belíssima ruiva Jessica Chastain) que, apaixonados, apesar da proibição do amor no reino gelado, casam-se em segredo e são punidos.
Passam-se sete anos e a história que vai ser contada agora é como uma continuação de “Branca de Neve e o Caçador”. Eric, os anões e Sarah, que vai atrás de Eric, recebem do marido de Branca de Neve a missão de encontrar o Espelho mágico, roubado enquanto era levado para um santuário. Estranhamente, o Espelho tinha desenvolvido poderes maléficos.
Bem, dado o enrosco do roteiro, eu confesso que preferi observar as minhas estrelas preferidas. Aliás foi por causa delas que eu fui ver esse filme. Poderosas, lindas, bem vestidas, elas esbanjam beleza e graça na tela.
Freya, uma Emily Blunt de cabelos brancos, gélida e bela, vestida em todos os tons de prata e portando coroas de finas lascas de gelo, depois de tudo que a irmã fez, só se interessa em proibir o amor e roubar crianças, que passam a esquecer de seus verdadeiros pais e adorar a Rainha de Gelo. Parece até que ela desencaminhou Sarah, que pensa que Eric morreu. Fica no ar, já que ela não conta para seu marido secreto o que foi que andou fazendo nos sete anos de separação.
Sarah é boa no arco e flecha e veste-se de couro negro, calças justas e túnica, com trancinhas no cabelo ruivo. Sexy.
Ravenna, escultural como ninguém, sempre de ouro vestida, má como uma cascavel, continua a perseguir Freya, saindo de dentro do Espelho no final do filme. De sua boca e debaixo de suas saias saltam tentáculos sanguíneos que são um perigo para quem está por perto.
Certamente aquela ave dourada que corta os céus, parte para o reino de Branca de Neve para mais algumas maldades. Ou não?
Confesso que me atrapalhei bastante com o enredo mas gostei do visual das belas com figurinos de Coleen Atwood, 67 anos, que já foi indicada ao Oscar inúmeras vezes e ganhou três, com “Chicago”2002, “Memórias de uma Gueixa”2006 e “Alice no País das Maravilhas”2010.
Será que vai ganhar de novo? Pelo menos uma indicação ela merece.



segunda-feira, 25 de abril de 2016

Amor por Direito


“Amor por Direito”- “Freeheld”, Estados Unidos, 2015
Direção: Peter Sollett

Loura, cabelos “Farrah Fawcett” que lhe dão um arzinho antigo, magra e séria, ela é uma policial eficiente. Trabalha há 23 anos como detetive em “Ocean County”, em Nova Jersey. Batalhando contra traficantes, ela vai à luta, corajosa e  quer ser promovida a tenente.
Lauren Hester (Julianne Moore, sempre ótima atriz) leva uma vida dedicada ao trabalho. Diz que gosta de mar e sossego e por isso, vive só, numa pequena comunidade perto da praia mas longe da delegacia machista, onde é a única detetive mulher. Aliás ela tem um segredo bem escondido. Lauren é lésbica.
Quando encontra Stacey (Ellen Page) por acaso, num jogo de vôlei, percebe-se que ela evita a aproximação mas está atraída por aquela garota pequena, cabelo curto e jeito de adolescente.
No primeiro encontro vão a um clube gay e Lauren não parece à vontade. Até dançam e se olham encantadas mas quando Lauren vai tomar ar, fugindo da tentação, Stacey vai atrás dela e as duas são abordadas por ladrões.
Lauren saca sua arma e afugenta os bandidos, assustando a garota:
“- Você leva arma até em encontros?” pergunta assombrada.
Dia seguinte, depois de uma cena na cama, filmada discretamente, o telefone toca e Stacey vai atender mas a outra pula e o arranca da mão dela:
“- Nunca atenda o telefone aqui em casa. Poderia ser meu chefe ou meu parceiro”, fala em voz alta, nervosa.
“- Acha que pode gritar com todo mundo só porque é policial?” e Stacey sai ofendida.
Lauren parece que sente um certo alívio e se joga no trabalho. Mas depois liga e pede desculpas:
“- Acho que sou muito velha para você... Mas quando vamos nos ver de novo?”
Passeios na praia, carinhos, conversas e risos. As duas parecem felizes juntas. O próximo passo é comprar uma casa, morar juntas e ter o cachorro que Stacey tanto quer.
Lauren continua escondendo a vida delas dos policiais mas é claro que o parceiro (Michael Shannon) descobre. Fica sentido com a desconfiança mas é solidário.
As duas resolvem oficializar uma união estável. E tudo parecia um sonho realizado quando uma terrível realidade invade a cena. Lauren está com câncer de pulmão, num estágio avançado.
É então o momento em que ela pede para o parceiro detetive:
“- Se algo me acontecer, quero que a minha pensão vá para Stacey. É o único meio dela poder pagar a casa”.
“- Mas isso é para gente casada”, responde ele.
Esse é um caso verídico, acontecido em 2002, que em 2007 virou um documentário de curta metragem que ganhou o Oscar. Mas foi só em junho de 2015 que a Suprema Corte dos Estados Unidos aprovou o casamento gay em todo o país.
O caso de Lauren Hester e Stacey Andree foi importante nessa luta dos homossexuais pela igualdade de direitos.
Steve Carrell vive um judeu gay divertido que lidera o grupo de ativistas que vai pressionar os conselheiros de “Ocean County”. Sempre de terno e quipá, ele sentencia:
“- Lauren fez justiça para essa comunidade por 23 anos, agora ela só está pedindo que retribuam com justiça.”
O filme emociona porque Julianne Moore dá corpo e coração à sua personagem, que quer proteger a mulher que ela ama.
E Ellen Page, que é ativista gay, atua com igual envolvimento. Ela é produtora do filme.
“Amor por Direito” é uma história de amor comovente que contribuiu para ajudar pessoas a viver uma vida amorosa melhor e mais livre do que foi a das protagonistas.

sábado, 23 de abril de 2016

Nise - O Coração da Loucura


“Nise – O Coração da Loucura”, Brasil, 2016
Direção: Roberto Berliner

Quem será essa senhora de tailleur bordô, coque, salto baixo e bolsa, que bate com delicadeza na porta alta de ferro? Ninguém aparece. E ela, persistente, bate com um pouco mais de força. Nada. Então, com uma força surpreendente, ela esmurra a porta, até que alguém vem abrir.
Esse início do filme apresenta Nise da Silveira (1905-1999) à plateia que ainda não a conhece. Dá para notar que ela é uma pessoa que opta primeiro pela educação mas que, se preciso for, usa até a força para conseguir o que quer.
E foi preciso muita delicadeza e força mescladas para conseguir realizar o trabalho que ela fez no Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, depois que saiu da prisão da ditadura Vargas, acusada de ser comunista, onde ficou de 1934 a 1936.
Era um tempo no qual se confundia hospital psiquiátrico com prisão. Médicos e enfermeiros eram carcereiros e agentes de punição. O medo andava junto com a sujeira e o abandono, nos corredores e enfermarias daquele hospital.
A dra Nise (Gloria Pires, magnífica), única mulher entre os psiquiatras, foi logo afastada da prática clínica porque não concordava com lobotomias e eletrochoques. Acabou no lugar menos frequentado do hospital e com quase nada de verba, o STO, Setor de Terapia Ocupacional.
Ao chegar no local, cheio de lixo, ela arregaçou as mangas e começou o seu trabalho com balde e vassoura, ajudada por uma enfermeira de boa vontade.
Tudo limpo, ela convida os clientes (“pacientes somos nós que temos de ser com eles”), que vagam pelo pátio de terra, uns nus, outros vestidos em farrapos, para entrar:
“- Deixa que eles façam o que quiserem”, diz para Ivone, a enfermeira.
Aos palpites repressores do enfermeiro Lima (Augusto Madeira), ela retruca:
“- Cala a boca! O que eles falam aqui é matéria prima de nosso trabalho. Ouça. Observe. E cala a sua boca!”
Incansável, ela pesquisa prontuários e ousa abrir o “cofre”, a solitária onde Lucio, visto como capaz de matar, está encerrado há dias.
Traz quem pode para o pátio e um jogo de bola é o início da aproximação entre ela e aquelas pessoas evitadas.
Logo, Nise consegue a ajuda de Almir (Felipe Rocha) que vai sugerir um novo caminho. Traz tintas coloridas e cavaletes com telas e assim começa o que hoje é o legado do Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado no Rio de Janeiro em 1952.
Seguidora de Jung, a quem escreve relatando seu trabalho, Nise acreditava na busca de uma linguagem que pudesse trazer à tona tudo aquilo que jazia no inconsciente de seus clientes. Via nas telas a história de cada um. Do caos inicial surgia o começo de uma integração. As imagens pintadas organizavam o que antes não tinha voz.
Mario Pedrosa (1900-1981), interpretado por Charles Fricks, o maior crítico de arte da época, vê artistas nos clientes de Nise e acontece a exposição “Os Artistas de Engenho de Dentro”.
A dra Nise da Silveira, em pessoa e com bom humor, fecha o filme e nos deixa com os olhos marejados.
Alguém do meu lado no cinema diz:
“Ah! Se existissem mais pessoas como ela...”
O excelente roteiro, baseado no livro “Nise – Arqueóloga dos Mares” de Bernardo Horta, a direção inspirada de Roberto Berliner, a trilha sonora brilhante de Jaques Morelembau, a fotografia impecável de André Horta e um elenco harmonioso, ajudam a contar a história dessa grande mulher.

Imperdível.

O Dono do Jogo


“O Dono do Jogo”- “Pawn Sacrifice”, Estados Unidos, 2016
Direção: Edward Zwick

No século passado, muita gente jogava xadrez, algo que mudou totalmente. É um jogo difícil, que exige concentração, memória, poder de antecipar os próximos movimentos do adversário porque é um jogo baseado na lógica e horas de estudo dos jogos entre mestres para aprender aberturas e táticas de defesa. Além disso , a criatividade é a marca dos campeões.
Mas “O Dono do Jogo” dirigido por Edward Zwick, 63 anos, de “Lendas da Paixão”1984 e “Diamante de Sangue” 2006, não é um filme sobre xadrez. Trata-se de contar a ascensão e queda de uma celebridade, usada politicamente pelos Estados Unidos em plena “guerra fria”, para derrotar os soviéticos.
O menino judeu, nascido em Chicago em 1943, aparece em 1951, morando no Brookyn, em Nova York, com sua mãe judia-suíça, Regina (Robin Weigert), naturalizada americana e sua irmã mais velha, Joan (Lily Rabe).
Numa cena, vemos uma reunião de pessoas conversando sobre política e comunismo. Bobby vê um carro estacionado em frente à casa e a tela mostra que ele é fotografado. Quando corre para contar para a mãe, ela diz:
“- Um homem lá fora no carro? Eles querem bisbilhotar o meu trabalho. Nunca responda nada a eles, Bobby. Coloque-o para dormir”, diz para a filha.
Na verdade, a mãe de Bobby era mesmo vigiada pelo FBI por causa de sua simpatia pelo comunismo.
E é um garoto assustado, de 8 anos, que não consegue dormir, atento a barulhos e com o rostinho preocupado, que vemos valer-se de seu tabuleiro de xadrez para refugiar-se em um mundo onde se sentia mais protegido.
Mente brilhante, ele logo ganhava de todos os que se reuniam nos clubes de xadrez de Nova York. Foi campeão americano 8 vezes, em oito participações. A primeira vez que ganhou o título, em 1967, tinha 14 anos e foi o mais jovem campeão americano.
Pouco tempo depois, assistimos a outra cena, em que ele escuta barulhos que vem do quarto da mãe. Furioso, ele vai interpelá-la:
“- E o meu pai? Ele existe? Não se lembra?”
“- Ele foi embora”, responde a mãe querendo justificar a presença de outro homem em sua cama.
“- Volte para Moscou com seus amigos comunistas! Eu preciso de silêncio. Escuto vocês transando todas as noites! Preciso de silêncio!” grita Bobby e histericamente expulsa os dois de casa.
Essa necessidade de fechar-se num mundo silencioso tem uma clara motivação sexual, com raízes em um complexo de Édipo complicado. Sua mãe nunca contou a ele sobre seu pai e o menino se ressentia disso.
Ao longo do filme vamos ver Bobby interromper jogos para exigir silêncio e mesmo quando conseguia, não se livrava dos barulhos em sua cabeça.
Logo aparecem delírios persecutórios envolvendo russos e judeus (apesar dele mesmo ser judeu). Há uma rebeldia e uma provocação frente à autoridade que parecem vir de um menino carente de pai.
Seu treinador, o padre Bill Lombardy (Peter Sarsgaard, excelente) e o advogado (Michael Stuhlborg), que viu em Bobby o potencial para ser um campeão, conversam durante o ponto alto do filme, em 1972, Reykjávik, Islândia, quando Bobby Fisher (Tobey Maguire, impecável) enfrenta o campeão russo Boris Spassky (Liev Schreiber, soberbo), para quem ele havia perdido o torneio em 1966, em Santa Monica. Desse jogo sairia o campeão do mundo:
“- Ele tem medo de perder”, diz o advogado.
“- Ele tem medo de ganhar e não saber o que virá depois”, retruca o padre.
No final, vemos o próprio Bobby Fisher (considerado pelos grandes mestres do xadrez o melhor enxadrista do século XX) uma figura exótica, de cabelos e barba longos e brancos, chegando à Islândia em 2005, onde viveu até sua morte em 2008, com apenas 68 anos.

Uma mente brilhante e uma pessoa enigmática.
  

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Mogli - O Menino Lobo


“Mogli - O Menino Lobo”- “The Jungle Book”, Estados Unidos, 2016
Direção: Jon Favreau

No fim dos anos 60, a Disney lançou o desenho animado “Mogli-O Menino Lobo”, baseado no livro de 1894, “The Jungle Book”, de Rudyard Kipling, que nasceu em Mumbai, antiga Bombaim, em 1865 e morreu em Londres em 1936.
Autor e poeta inglês, que viveu quando a India ainda fazia parte do Império Britânico, ele também ficou conhecido por “Kim”de 1901 e poemas como “Mandalay”, “Gunga Din”e “If”. Foi o primeiro inglês e o mais jovem ganhador do Nobel de Literatura até hoje, com 42 anos.
Seu “The Jungle Book” foi traduzido para o português por Monteiro Lobato e publicado em 1933, com o título “O Livro da Jângal”. Herdei o livro de minha mãe e foi para mim uma espantosa e magnífica viagem pela selva indiana. Acho que devo  a esse livro minha empatia com os animais selvagens.
O filme de Jon Favreau tem um visual espetacular.  Toda a engenhosidade da computação gráfica, herdada do incrível “As Aventuras de Phi”(2012), foi aprimorada e usada para criar personagens que parecem animais reais. Durante o filme, o encantamento é tal, que esquecemos que o único ser vivo ali é o menino Mogli, interpretado por um descendente de indianos, Neel Sethi.
A selva é uma invenção genial e grandiosa. Árvores imensas que Mogli escala, cachoeiras, flores exóticas,  rios e riachos, lugares onde mal penetra a luz do sol, tamanho é o enrodilhar de galhos e cipós e aquele pingo de gente voando de galho em galho, correndo com a bela pantera negra de olhos verdes, Bagheera, sua protetora (voz de Ben Kingsley/ Dan Stulbach).
Quando Mogli se perde de Bagheera e, sózinho, explora uma parte escura da floresta fica conhecendo a sedutora cobra Kaa (voz de Scarlett Johansson/ Alinne Moras). Quase entra na dela e é salvo pela pantera.
Outro perigo são os macacos liderados pelo rei Louie, um orangotango com tamanho de King Kong (voz de Christopher Walken/ Tiago Abravanel) que diverte cantando e dançando “I Wan‘na Be Like You” do desenho de 1967, além de comandar momentos de susto para Mogli.
E como é doce e meiga a loba Raksha (voz de Lupita Nyong’o/ Julia Lemmertz) que criou o filhote de homem em meio à ninhada de lobinhos.
O urso Baloo (voz de Ben Murray/ Marcos Palmeira), obcecado pelo mel que escorre pela pedra com as colmeias fora de seu alcance, manipula gentilmente Mogli e faz o menino inventar instrumentos para conseguir o cobiçado alimento. Ele é simpático, canta (“The Bare Necessities” de 1967) e movimenta-se com graça, apesar de seu tamanhão e conquista a todos na tela e na plateia.
E é muito bonta a “Trégua da Água”, momento em que todos os animais podem tranquilamente saciar sua sede na época da seca. Lado a lado, predadores e sua comida se esquecem do que representam um para o outro e respeitam a vida.
Nesse momento, mesmo o inimigo de Mogli, o tigre Shere Khan (voz de Idris Elba/ Thiago Lacerda), esquece suas diferenças com o representante do homem que, crescendo, poderá tornar-se um adulto destrutivo com o poder de usar a “flor vermelha”, que é como chamam o fogo, contra a floresta e os animais.

Vá ver e leve as crianças. Todos vão se encantar com a floresta e os bichos incríveis, criados em um estúdio em Los Angeles.


sábado, 16 de abril de 2016

Truman


“Truman”- Idem, Espanha, Argentina, 2015
Direção: Cesc Gay

Alguém pode estranhar o nome do novo filme de Cesc Gay, diretor de cinema catalão, de “O que os homens falam”, que passou em São Paulo há uns três anos, no qual também atuava Ricardo Darín.
Podem se espantar mais ainda quando descobrirem que “Truman”, nada a ver com o presidente americano, é o nome de um “bullmastiff”, cão de origem inglesa de grande porte e já velhinho, que Julián, o ator de teatro interpretado por Darín, trata como se fosse um filho.
O diretor e co-roteirista conta que se inspirou num episódio de sua vida mas que o cão do filme chamava-se Troilo.Ora, Anibal Troilo (1914-1975) foi um grande compositor de tango argentino e Darín quis convencer Cesc Gay a manter o nome verdadeiro, que lhe caia tão bem, já que o compositor também era corpulento como o cão e o filme tem tudo a ver com tango e seu personagem argentino. Não conseguiu, porque o nome Truman era uma homenagem prometida, que ficou em segredo.
Ricardo Darín ama os cachorros e era ele que tomava conta de Troilo durante as filmagens. Quando soube que ele morreu, alguns meses depois do filme ter sido rodado em Madrid, conta que chorou uma semana inteira em Buenos Aires:
“- Ficamos amigos. Ele era um cão especial. Trabalhava com crianças autistas”, explicou numa entrevista.
Mais magro e macilento, tossindo com classe e com aqueles olhos azuis expressivos, Darín, 59 anos, nos presenteia com mais uma interpretação magnífica. E o amigo Thomás é o grande Javier Cámara, 49 anos, dos filmes de Almodóvar. Ambos excelentes, os dois dividiram o prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastian.
E o filme levou 5 das 6 indicações ao Goya, o Oscar espanhol: melhor filme, direção, interpretação masculina (Ricardo Darín), ator coadjuvante (Javier Cámara) e roteiro original (Cesc Gay e Tomás Aragay).
A história dos dois amigos que não se veem há muito tempo, começa com Thomás em Montreal, Canadá, onde mora com a família, pegando um avião para Madrid, onde vive Julián, que sofre de um câncer terminal. Durante quatro dias ele vai fazer tudo que o amigo pedir e tentar convencê-lo a continuar com a quimioterapia.
Não é fácil para Thomás, que vemos se jogar na cama do hotel com um suspiro profundo, ao final do primeiro dia com Julián.
Tinham ido ao veterinário, já que Julian se perguntava como tratar de Truman depois que ele se fosse. Do que precisaria um cão enlutado? Que perdeu seu melhor amigo? Ele procurava alguém para adotar Truman, o que não era fácil. Quem quer um cão idoso?
E Thomás se dá conta de quanto Julián ama aquele animal:
“- Thomás, eu tenho dois filhos. Um se chama Truman ”, diz enfaticamente ao amigo.
Depois vão ao médico, onde Thomás tenta convencer Julián a continuar com o tratamento, sem sucesso, porque é Julián que o convence que quer usufruir de seus últimos dias a seu modo.
Zanzam por Madrid e na livraria Thomás compra um livro sobre o comportamento dos cães e Julián um de Elizabeth Kubler-Ross, “A morte: um amanhecer”.
Mas não pensem que o filme é trágico. Longe disso. Trata do assunto com leveza e dignidade, evitando o melodrama. O humor está presente no diálogo dos dois amigos, que sabem que estão se despedindo para sempre. Há olhos marejados e emoção, sem nunca resvalar para o lugar comum.
Assistir ao filme leva-nos a pensar no assunto morte. Vai acontecer a todos nós. Com certeza. Mas não há porque perder tempo de vida só porque ela vai acabar um dia. Essa é a lição que “Truman” quer nos ensinar, mostrando que é preciso demonstrar nosso amor enquanto os seres que amamos estão vivos, sejam pessoas ou animais.

Um filme humanista.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Rua Cloverfield 10


“Rua Cloverfield, 10”- “10 Cloverfield Lane”, Estados Unidos, 2016
Direção: Dan Trachtenberg

Poucos filmes conseguem colocar a plateia em estado de alerta desde o começo. Isso acontece com “Rua Cloverfield 10”. Quem viu “Cloverfield-Monstro” de 2008 não pense que esse aqui é uma sequência, apesar do nome. O produtor diz que são filmes com certo parentesco, mais nada.
A imagem inicial mostra uma mulher jovem, visivelmente nervosa, olhando um celular que toca. Não ouvimos a conversa mas o semblante dela nos conta que ela discute com alguém.
A música de Bear McCreary faz com que o clima seja captado pelo espectador. Ansiedade, raiva, frustração.
Ela desliga e continua, às pressas, a colocar coisas das gavetas numa mala. Quando sai, deixa o anel de noivado e as chaves sobre a cômoda.
Horas depois é noite e a vemos numa estrada deserta. Para num posto de gasolina vazio. Chega outro carro. Ela sai. Continua aflita.
No carro o celular toca e ela não atende Ben mas ouve a mensagem (na voz de Bradley Cooper):
“- Michelle, fala comigo. Volta. Fala alguma coisa. Não acredito que você foi embora! Casais brigam...Fugir não é a solução.”
Ela desliga o celular. No rádio há uma notícia sobre falta de energia devido a uma explosão mas o celular toca de novo. Ela olha e é Ben insistindo.
Nesse instante, algo acontece e ela perde a direção do carro. Vidros se estilhaçam. Parece que ela foi atingida por algo e o carro despenca na ribanceira.
Na cena seguinte ela parece desmaiada. Acorda. Soro no braço. Mas aquilo não é um hospital.
Tateia a coxa e percebe que está acorrentada à parede. Está presa, numa cela de concreto.
Até agora ela não disse uma só palavra mas sentimos o pânico, como antes sentíamos a raiva e a frustração. Está ofegante. Seu olhar mapeia o lugar. Ela vê o celular e a bolsa num canto mas não consegue alcançá-los.
Lemos em seus olhos: como vou fugir daqui?
Esse início atordoante marca o que vamos ver. Uma mulher jovem  (Mary Elizabeth Winstead, ótima), amedrontada, não sabe quem a prendeu naquela cela. Quem vai entrar por aquela porta de ferro, sólida e com travas?
Tensa, ela escuta o destravar da porta e um homem mais velho, de barba e gordo (John Goodman, excelente) entra com uma bandeja com comida. E Michelle escuta que ele a tirou do carro acidentado e a trouxe com ele.
“- Meu noivo vai me procurar...Preciso ir para um hospital...”
“- Sinto Michelle, mas ninguém vai te procurar...Fomos atacados por algo que deixou o ar irrespirável. Todos morreram.”
E aí começa a história que mistura o suspense de um “thriller” com situações envolvendo medo e horror.
Mas o conteúdo psicológico é também importante. Porque Michelle vai confessar, a um terceiro personagem, que sempre fugia quando se sentia tomada por emoções fortes. Aqui ela vai passar por uma prova de fogo. Vai ter que enfrentar medos e dúvidas dos quais não consegue escapar. Vai ter que ser forte e usar tudo que pode e até o que não sabe para decidir como vai agir.
E nós nos grudamos na cadeira do cinema e enfrentamos com ela a tensão, que só cresce, com os acontecimentos inesperados e as reviravoltas do excelente roteiro (Josh Campbell e Mattew Stuecken com bons toques de Damien Chazelle, diretor e roteirista de “Whiplash”).
Competente estreia do diretor e investimento certeiro de apenas 10 milhões de dólares do produtor J.J.Abrams, (diretor de “Star Wars: O Despertar da Força”), que vai ter um ótimo retorno.

Filme inteligente com um suspense e surpresas de arrepiar.

sábado, 9 de abril de 2016

Desajustados



“Desajustados”- “Fúsi”, Islândia, Dinamarca
Direção: Dagur Kári

A câmara, lá do alto, mostra o aeroporto e o carrinho que transporta as bagagens. Parece um mundo de brinquedo. Mas quando se aproxima do condutor, ele é um homem imenso, de enorme corpanzil. A intenção é apontar a relatividade do tamanho? O engano de nossas percepções?
Dagur Kári, o diretor e roteirista islandês, que ganhou o prêmio de melhor filme, melhor ator e melhor roteiro no último Festival de Tribeca, com esse filme “Virgin Mountain” em inglês e “L’histoire du géant timide” em francês, parece que pede, com esse início, que não façamos julgamentos apressados.
Quando vemos Fúsi (o carismático ator Gunnar Jonsson) comendo seu cereal com leite, delicadamente, na cozinha da casa onde vive com a mãe, ele parece um menino bem comportado. Mas ele deve ter uns 40 anos, porque quando o acompanhamos, lidando em silêncio com as brincadeiras de péssimo gosto dos colegas de trabalho, percebemos que compreende o mundo em que vive.
Intrigados, frente àquele homem que gosta de brincar com carrinhos de controle remoto e, com seu único amigo, reconstruir com miniaturas as batalhas famosas da Segunda Guerra, vamos nos envolvendo com sua história.
Ele poderia ser mais independente mas parece que fica com a mãe por inércia ou por falta de interesse em explorar o mundo e as pessoas.
Pensando bem, aquele gigante delicado já deve ter sofrido em suas primeiras tentativas de socialização. O “bullying” não deve ser novidade para ele, que tem paciência com os outros e não revida os insultos e as brincadeiras pesadas. Ao contrário, está sempre disposto a ajudar, quando solicitado. A verdade é que ele tem bom coração e não guarda mágoas.
Quando encontra, na escada do prédio, a menina tristinha que mora no andar de baixo e que pede que ele brinque com ela, ele não recusa. Mal sabe que o pai dela, recém divorciado e fora de si, vai acusá-lo de pedofilia.
A mãe possessiva quer ele por perto para ajudá-la mas quando arranja um namorado e são flagrados na cozinha pelo filho, apesar de Fúsi não tocar no assunto, decide distraí-lo fora de casa. Um chapéu de cowboy e a matrícula numa escola de dança são o presente de aniversário que vai tirar Fúsi de casa em horários semanais regulares. Sossego para os namorados que vão poder ficar a sós.
E uma tempestade de neve vai trazer para a vida daquele solitário, uma companhia feminina, Sjófn (Ilmur Kristjánsdóttir). Ela também está nas aulas de dança, é pequena, loira, alegre e não tem preconceito contra a aparência de Fúsi. Pede uma carona e assim começa uma amizade que leva o gigante romântico a ter coragem de enfrentar sua timidez e ampliar seus horizontes.
Mas, como as aparências enganam, como avisa o diretor desde o início, a moça pode ser mais complicada do que parece.

O certo é que o gigante amável parece ser o menos desajustado dos personagens desse filme que, sem pieguismo, trata da bondade, difícil de ser encontrada nesse mundo egoísta em que vivemos.

sábado, 2 de abril de 2016

A Juventude


“A Juventude”- “Youth”, Itália, França, Reino Unido, Suíça, 2015
Direção: Paolo Sorrentino

Todo ano, pessoas ricas do mundo inteiro reúnem-se na Suíça, em hotéis-spa dedicados a tratamentos de rejuvenescimento.
É um desses templos de luxo, calma e busca de saúde que vamos compartilhar, por um tempo, com Michael Caine, um famoso maestro e compositor, Fred Ballinger, seu amigo da vida toda, Mick Bayle (Harvey Keitel), a filha dele e assistente, Lena Ballinger (Rachel Weiz) e o ator de Los Angeles, Jimmy Tree (Paul Dano).
Nem todos são velhos, há jovens também por lá, como Lena e Jimmy, mas há uma coisa em comum: não estão bem de espírito. Acreditam que cuidando intensamente do corpo, com todo tipo de massagens, saunas, banhos termais, checkups médicos e alimentação bem cuidada, vão se livrar de um peso, tanto físico como da alma.
Outros ainda, são movidos também por desejos de realizar um projeto importante.
Assim, o ator, que sempre é lembrado por um papel de robô, quer preparar-se para interpretar um personagem em seu próximo filme e por isso observa os hóspedes e procura detalhes no comportamento deles.
O cineasta Mick precisa acabar de escrever o roteiro de seu filme “O Último Dia da Vida” e para isso levou sua equipe de colaboradores para um “brainstorm” nas montanhas. Sua estrela fetiche, interpretada numa ponta bem aproveitada por Jane Fonda, selará o sucesso do filme, seu testamento cinematográfico, pensa ele.
Um monge budista, que vem há 20 anos para esse lugar, quer levitar no jardim.
Um ídolo do futebol, gordo e fora de forma, caminha apoiado numa bengala, está longe de seus dias de atleta mas ainda dá autógrafos para uma pequena multidão de admiradores. Qualquer semelhança com Maradona é mera coincidência?
E a bela Miss Universo ( a romena Madalena Diana Ghenea) desfila nua, para a surpresa e o encanto dos dois amigos envelhecidos, que só podem contemplá-la embevecidos, enquanto ela usufrui do prêmio do concurso, uma semana no palácio da Suíça. De quebra, ela responde à altura às ironias do ator americano. Belíssima e inteligente. É a juventude do título.
Porque os amigos envelhecidos nem sequer conseguem lembrar-se da própria juventude. Da infância menos ainda. Consolam-se passeando pelos caminhos em meio a campos floridos, montanhas nevadas e vaquinhas com sinos no pescoço. Se ao menos eles pudessem aproveitar o presente, o momento que vivem... Mas estão mais interessados em falar sobre suas próstatas e de uma bela atriz que ambos amaram no passado, Gilda Black.
O maestro sombra numa depressão raivosa toda vez que alude às suas “razões pessoais” para negar-se a dar um concerto com suas “Simple Songs” para a Rainha da Inglaterra.
As repreensões de sua filha, também deprimida porque foi abandonada pelo marido, não ajudam em nada, já que ela não quer ser consolada por ele, que foi um pai ausente. Quer a mãe, mas ela não está mais entre eles.
O filme de Paolo Sorrentino (“A Grande Beleza” ganhou o Oscar de melhor filme de 2014) é interessante pelo assunto escolhido, tem cenários belíssimos, atores estupendos, música de David Lang inspiradora mas é quase como uma colcha de retalhos preciosos. Falta algo?
Vem  no final, doce e arrebatador. E Michael Caine, 83 anos e dois Oscars de ator coadjuvante, encerra o filme com uma grande atuação e emociona todo mundo. 
E quem resiste a Sumi Jo?